Há solução para a nossa desgraça urbana e estética?

Allan A.

Consegui participar apenas da tarde do dia 5 de setembro de 2025 da Conferência Internacional CAU 2025, promovida pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR)[1]. Parece ter sido o primeiro evento grandioso realizado pelo CAU, mas já erraram no preço da inscrição, R$ 180 também para o público geral dificulta a aproximação daqueles sem formação na área. Ainda assim, julguei que valia a pena ir lá ver de perto os especialistas no assunto.

https://caubr.gov.br/cauconference2025/sobre/

1 – Taynara Gomes e a Belém da COP30

A primeira que vi foi a arquiteta Taynara Gomes, do CAU-PA, a qual tratou das incoerências das obras para a COP30 em Belém-PA, sobretudo a reforma de rua e avenidas que acompanham rio urbanos, transformados em esgoto a ceu aberto há décadas. O principal (mau) exemplo dado por Taynara foi a reconstrução da Av. Visconde de Souza Franco (Doca), cujas águas continuam sujas, margens concretadas e…tão grave quanto, inavegável há décadas. Quem conhece a história de Belém sabe que aquele igarapé era chamado de “…das Almas”, já tendo sido navegável antes da construção do porto da cidade.

Belém não poderia ter de volta seu igarapé navegável, inclusive como atrativo turístico? Seria possível aos visitantes embarcar em frente ao shopping Boulevard para passeio de barco pela orla ou mesmo chegar até as ilhas em frente à cidade. Algo do antigo comércio que ocorria nas margens desse rio poderia ser recriado também. As pontes sobre o atuão “valão” seriam mais altas para permitir a passagem dos barcos com oem Veneza, Itália, e São Petersburgo, Rússia. Tudo seria viável com boa vontade e bom planejamento.

https://pt.123rf.com/photo_120378279_so-petersburgo-rssia-2-de-setembro-transporte-de-%C3%A1gua-com-cruzeiro-de-barco-ao-longo-do-canal-em-s%C3%A3o.html

https://agenciapara.com.br/noticia/63314/obra-da-nova-doca-chega-a-ultima-quadra-com-mudanca-no-transito-nesta-quarta-feira-18

Chamo a atenção do leitor para o projeto mais ousado de ressurreição de rio urbano no mundo, realizado em Seul, Coeria do Sul em 2005, quando o rio Cheong-Gye foi literalmente trazido de volta à vida, inclusive na superfície onde antes havia uma horrenda via expressa para carros como viaduto[2]. Vejam a diferença entre antes e depois. É inacreditável a transformação que os sul-coreanos conseguiram ali! Nem São Paulo conseguiu com o seu rio Anhangabaú no centro, mas não significa que outras cidades brasileiras não devam tentar inclusive Belém.

https://www.archdaily.com.br/br/920314/drenagem-urbana-sustentavel-para-a-concretizacao-de-metas-de-ods-onu

https://www.caupa.gov.br/pre-cop30-presidente-taynara-gomes-debate-o-repertorio-de-solucoes-urbanas-em-painel-da-conferencia-internacional/

Taynara também falou da contradição de sedir conferência tão importante sobre mudanças climáticas e construir nova estrada em uma das últimas áreas florestadas da cidade de Belém[3]. A nova rodovia cortará enorme área de matas próxima do campus da UFPA. Não teria sido melhor construir ali um VLT, elétrico, que preservará a vegetação local e é melhor que trazer mais carros para a cidade?

2 – O milagre do Memorial Brumadinho com Gustavo Penna e Laura Penna

Pai e Filha arquitetos trataram dos seus projetos pelo Brasil, especialmente em Minas Gerais, terra natal de ambos e local de vários de seus projetos. O destaque foi para o Memorial Brumadinho/MG[4], que me pareceu ter atingido a sublimidade, raríssima em projetos no país inteiro há décadas. Emocionou ter visto ambos falarem do zelo e carinho com que dialogaram com familiares das vitimas do desabamento da barragem de Brumadinho e de como pensarem e representar toda a dor dessas pessoas em um espaço ao mesmo tempo belo, sóbrio, acolhedor, esperançoso quanto ao futuro e que confortasse o sofrimento de quem perdeu seus parentes mais amados.

https://caubr.gov.br/projeto-do-memorial-brumadinho-e-aplaudido-de-pe-na-conferencia-internacional/

Cada detalhe foi minuciosamente pensado para exprimir o máximo de beleza a partir da profunda dor daquela comunidade, desde os materiais usados até a “cabeça quadrada” concebida por Gustavo como a representação da falha humana que se imaginava infalível e controlador de tudo. Aliás, não deve ter sido coincidência que o projeto mais ousado e belo em Brasília dos últimos 30 anos tenha saído exatamente das pranchetas de Gustav: o Sesilab, que revolucionou a degradada área contígua à plataforma da rodô do Plano Piloto de Brasília (antigo touring club). Não falo apenas dos usos e possibilidades do museu da ciência, brinquedos etc, mas da valorização estética do prédio e da vitalidade humana trazida para a área frontal do edifício com frente para a Biblioteca Nacional.

https://caubr.gov.br/projeto-do-memorial-brumadinho-e-aplaudido-de-pe-na-conferencia-internacional/

A fala da dupla filha e pai mostrou que podemos crer em dias melhores para o urbanismo no Brasil.

3 – Gianfranco Vannucchi e a luta pelo bem-estar e a beleza

Vannuchi falou de como ter nascido em Florença[5], Itália, ter tido a infância lá contribuiu para o senso estético que ele desenvolveu e de como vem se empenhando em criar e construir bons projetos que garantam bem-estar aos usuários, mesmo quando se trata de casas particulares para gente rica, mas também nos demais projetos que envolvam alguam área de convívio coletivo. Vannuchi criticou os prédios espelhados, as cópias horrorosas de Dubai e Miami, além da recusa de incorporadores e proprietários de partilhar poucos espaços públicos que constam de seus projetos para garantir conforto a um público maior do que os donos das unidades (salas comerciais ou apartamentos) que serão construídas.

4 – Raul Lores e o desastre estético e ignorante no Brasil

A grande atração para mim e talvez a maioria dos presentes era mesmo o jornalista especializado em arquitetura, Raul Juste Lores, dono do canal no youtube “São Paulo nas Alturas”. Lores é famoso no meio profissional e seu canal deve tê-lo tornado uma estrela para o público de arquitetos, além dos leigos como eu, embora vários arquitetos talvez o odeiem, pois ele mostra as falhas e erros, às vezes grotescos, do que vem sendo construído no Brasil.

Lores começou falando dos “elefantes na sala”, um dos quais é a dicotomia riqueza vs beleza. Ter muito dinheiro ou orçamento não garante construir com qualidade e bom gosto. Os construtores brasileiros erguem coisas horrorosas, apesar de disporem de farta grana, enquanto países e cidades mais pobres que nós e as vezes enfrentando crises mais graves e duradouras obtem resultados muito melhores que os nossos. Lores citou Chile, mas sobretudo Equador e Colômbia. Até prédios e SESCs como usinas de paz em favelas equatorianas e colombianas seriam melhores que as nossas homólogas.

Outro elefante é o incômodo pela independência crítica que Lores busca exercer. Quando ele mostra as falhas dum governo de esquerda, é acusado de “bolsonarista”, quando o faz sobre governo de direita, acusam-no de “petista”. Santa Catarina é governada há décadas pela direita e vários prédios ali são horrorosos, vide Balneário Camboriú e sua cafonice medonhamente luxuosa. Já a Bahia é governada há décadas pelo PT e até os projetos de habitação popular ali são péssimos, vide os “Minha Casa, Minha Vida” longe do centro e sem ou com pouquíssimo comércio e serviços misturados com as residências, repetindo erros históricos desse tipo de projeto.

É vital que a discussão urbanística traga pessoas de formação diferente desse nicho. Enquanto ficar restrita aos profissionais da área, será mais difícil melhoramos, pois a massa não se importa, é indiferente ao tema. A grande mídia não ajuda, pois quase nunca aborda o tema, dificultando o conhecimento básico da população sobre arquitetura, mas “A gente só valoriza o que conhece”, disse Lores.

https://caubr.gov.br/programa-mostra-que-brasileiros-se-interessam-pela-arquitetura-das-cidades/

Até o conhecimento internacional dos nossos feitos, brasileiros, é atrapalhado pela nossa péssima comunicação. Hoje ninguém sabe ou lembra na China (país vanguardista em urbanismo atualmente) que foi o Brasil um dos primeiros a criar parques-esponja (ajudam a absorver água em excesso das tempestades) e BRTs, ambos na Curitiba de Jaime Lerner do fim dos anos 1970. O ligeirinho de Curitiba (um BRT) inspirou o transmilênio de Botogá, Colômbia, mas hoje os chineses acham que foi em Botogá a primeira experiência do gênero[6].

Raul ainda tratou da total falta de apuro estético das nossas classes altas. Se quiserem deprimi-lo, basta levá-lo aonde “mora e trabalha o PIB de SP”, bairros como Morumbi e a rua Faria Lima são catástrofes urbanísticas. Lá as calçadas são péssimas, muros, altos, quase não há bons espaços públicos de convívio coletivo.

De tudo o que ouvi naquela tarde, notei como problema repetido e onipresente a recusa do convívio coletivo, do compartilhamento de áreas comuns ou públicas por parte de muitos brasileiros, especialmente dos incorporadores, construtores, políticos, compradores e inquilinos de imóveis. Haveria também a colaboração de alguns arquitetos com esse desastre? Afinal, nenhum dos atores citados antes construiria os horrores que sabemos sozinhos. Não estou dizendo que todos os envolvidos em arquitetura e urbanismo no Brasil pensem e ajam assim: repugnando o convívio no espaço público; mas que uma parte deles, sim, age e ela é grande o suficiente para moldar nossas cidades.

Em todas as falas, exceto na da família Penna, que trouxe apenas ótimas novidades, se repetia o encapsulamento em condomínios fechados, a opção por muralhas cegas, calçadas ínfimas e ruins, a tal “exclusividade” propagada pelas imobiliárias como símbolo de luxo e prestígio. – Quer ser exclusivo, viva longe de todos (os “diferentes e inferiores”, pergunto?). Raramente, as construtoras elaboram praças, amplas calçadas, térreos e galerias comerciais que permitam a interação com público que não more ou trabalhe nos prédios projetados. O brasileiro médio que se segregrar do restante. Desconfio que a razão não seja apenas medo da violência urbana, insegurança. Do contrário, áreas como o Park Way em Brasília, cidade relativamente segura para padrões nacionais, não seria tão valorizada e buscada por compradores. A Boa Viagem em Recife e Pinheiros e Jardins em São Paulo não teriam movimentos contrários a padarias (meu Deus!) e estações de metrô “na porta de casa”, sob o pretexto de impedir o acesso de bandidos ao bairro. Será mesmo essa a razão?

Último lembrete para pensarmos. Na saída do evento, foi difícil atravessar o cruzamento do prédio Brasil 21 para o estacionamento entre o parque da Cidade e o Ed. Parque Coporate, onde está o churrasquinho parque da Cidade. Uirá provocaria: – porque não foi de bike, Allan? Hehe, sim, ainda é difícil fazer toda a locomoção assim, mas um dia quem sabe. A questão é: não há, NÃO HÁ nem um único ponto de travessia peatonal naquele trecho, temos ali uma rotatória elíptica num cruzamento agitado e NENHUMA possibilidade de o pedestre atravessá-la, zero, exceto se ele correr.

Saímos da Conferência que trata dos desafios do urbanismo e temos de enfrentar ruas totalmente planejadas só para carros. Pedestres e ciclistas que se danem!


[1] https://caubr.gov.br/conferencia-internacional-recebera-arquitetos-e-urbanistas-de-mais-de-20-paises/

[2] https://www.scielo.br/j/urbe/a/DXMSKLqcxhGc7HCNRxQ8NwN/?format=html&lang=pt, https://www.archdaily.com.br/br/920314/drenagem-urbana-sustentavel-para-a-concretizacao-de-metas-de-ods-onu/5d1caac3284dd110560001fd-drenagem-urbana-sustentavel-para-a-concretizacao-de-metas-de-ods-onu-imagem

[3] https://www.semas.pa.gov.br/wp-content/uploads/2021/02/Apresenta%C3%A7%C3%A3o-Institucional-Rodovia-Liberdade.pdf

[4] https://www.gustavopenna.com.br/memorialbrumadinho

[5] https://caubr.gov.br/gianfranco-vannucchi-e-presenca-confirmada-na-conferencia-internacional-cau-2025/

[6] https://caubr.gov.br/programa-mostra-que-brasileiros-se-interessam-pela-arquitetura-das-cidades/

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