Tarifa R$ 5 ou Tarifa Zero?

Transporte coletivo: solução constitucional e corajosa

Paíque Duques Santarém – antropólogo, doutorando em transporte (UnB) e militante do MPL-DF

O transporte coletivo do Distrito Federal é ruim, caro e está em crise. O Movimento Passe Livre do Distrito Federal e Entorno entende que a crise é causada por cinco questões: a gestão tecnocrática e burocrática; a instabilidade constante dos trabalhadores do serviço, que gera adoecimento e greves; o predomínio de interesses empresariais do lucro na execução e organização do transporte; o financiamento do serviço ser realizado pelas pessoas de baixa renda, por meio da tarifa; a péssima qualidade do serviço, em que as linhas funcionam somente em horários lucrativos e os veículos são desconfortáveis e sempre apresentam defeitos.

Por serem estruturais, as causas da crise não serão modificadas com medidas paliativas, como mudanças tecnocráticas do itinerário das linhas, licitações que não alteram a gestão do setor, enrolação nas negociações com trabalhadores do serviço, ataque às gratuidades, aumentos de tarifas de ônibus. Porém, os governos sempre recorrem a essas medidas, agravando as dificuldades em vez de atacar suas raízes.

O aumento de tarifas figura como a pior das medidas paliativas. Ele aprofunda a crise de mobilidade na cidade, pois menos pessoas poderão pagar os altos preços, reduzindo drasticamente suas viagens. Isso estrutura um círculo vicioso de aumentos, uma vez que, com menos pessoas usando o serviço com custos crescentes, cria-se a justificativa para novo reajuste. É um tipo de medida com difícil mensuração técnica, já que o controle das empresas privadas sobre a execução do serviço impossibilita que o governo conheça as planilhas de gastos utilizadas.

Os aumentos explicitam as fragilidades da atual estrutura de transporte. Eles são: 1) feitos para privilegiar o lucro dos empresários em detrimento da mobilidade urbana; 2) decididos de forma centralizada e autoritária sem nenhuma participação social; 3) justificados, normalmente, como consequências das garantias de direitos dos trabalhadores ou gratuidades dos usuários, jogando trabalhadores dos transportes e usuários uns contra os outros e aumentando a instabilidade de ambos; 4) ao contrário de melhorar a execução do serviço, os aumentos de passagens os tornam piores e caros; 5) ao aumentar o lucro dos empresários, elevam o poder das empresas de transporte sobre as decisões do governo.

Essa situação insustentável constitui um polo de significativos conflitos sociais. As crescentes manifestações de usuários do transporte coletivo expressam que a atual organização do transporte coletivo não está de acordo com as necessidades e demandas sociais. Precisamos, no mínimo, de uma corajosa reestruturação da mobilidade urbana local. A inclusão do transporte como direito social no artigo 6º da Constituição Federal (ocorrido em setembro de 2015) é o mote necessário para que seja realizada a reestruturação. O transporte coletivo deve mudar a organização de serviço privado para serviço público. Isso demanda, em nosso entendimento, cinco principais medidas, as quais listamos a seguir:

1 — Tributar a parcela riquíssima da sociedade para que ela financie o transporte coletivo. É o que chamamos de financiamento progressivo. Assim fica abolida a tarifa como forma de custear o transporte.

2 — Organização do transporte por meio de conselhos de usuários e trabalhadores do transporte, a chamada gestão popular.

3 — Execução do serviço por empresas públicas sob Gestão Popular. Pois, uma vez que não é mais um serviço orientado ao lucro, empresas privadas perdem o motivo de serem executoras do transporte coletivo.

4 — Estabilidade empregatícia para trabalhadores metrorrodoviários para melhorar a prestação do serviço.

5 — Em um sistema de transporte público de fato, a qualidade e a eficiência do serviço são os princípios norteadores do planejamento.

Esse conjunto de medidas básicas, que nomeamos de tarifa zero, pode abrir novo horizonte à mobilidade urbana e resolver as crises de financiamento, mobilidade e gestão do transporte coletivo. A reforma pode acabar com os problemas ocasionados por medidas paliativas, que dificilmente superam as dificuldades da mobilidade. É necessário agir com coragem, reestruturar o transporte coletivo e dar esperanças à mobilidade na capital.

Artigo publicado no Correio Braziliense (16/1/2017).

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