Na pauta, o Boulevard de Taguatinga

Júlio Carneiro

A Rede Urbanidade, vinculada à 1ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística -Prourb, conduziu em 21/11 uma vistoria ao centro de Taguatinga com foco na mobilidade ativa. Participaram o promotor de justiça, Dr. Dênio Moura, analistas periciais do MPDFT, engenheiros e arquitetos da Secretaria de Obras e da Administração Regional, incluindo o Sr. Chefe de Gabinete, Ezequias Pereira, ativistas da mobilidade ativa, do transporte coletivo, e representantes da sociedade civil de Taguatinga, particularmente da Rede Cidadã – RECITA. A visita buscou atender ao disposto no artigo 5º da Lei Federal nº 12.587, Política Nacional de Mobilidade Urbana, e no artigo 2º da Lei Federal no 10.257, Estatuto da Cidade, que garantem a gestão democrática e o controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana e de projetos de desenvolvimento urbano, respectivamente.

Perspectivas advindas com a visita técnica

Para além de identificar virtudes e defeitos no projeto ou em sua execução, a iniciativa decorreu em um clima de diálogo, abrindo perspectivas para a resolução dos problemas e, possivelmente, para outros desafios da mobilidade ativa na cidade planejada originalmente para automóveis. Nesse sentido, constatou-se de forma positiva o processo de uniformização das calçadas, que está introduzindo um novo conceito de passeio, nivelado com a rua, sem obstáculos e acessível. Se bem executado, isso pode representar um marco na requalificação das calçadas e logradouros da região, proporcionando mais conforto e segurança aos pedestres.

Olhares sobre a realidade

A visita identificou diversos pontos a melhorar, reforçando a necessidade de buscar soluções mais adequadas e contextualizadas para uma região metropolitana tradicional, com alto fluxo de veículos e pedestres e que já acumulava muitos problemas. O Boulevard é o investimento projetado para concluir um longo período de intervenções viárias de porte no centro de Taguatinga. Desde 1992, com o início das obras do metrô, a região sofre fortes impactos para viabilizar não somente as obras, mas a continuidade do elevadíssimo fluxo de veículos de outras localidades. Seguiu-se a reforma do viaduto que demorou 5 anos e por último a escavação do túnel. O próprio boulevard não está concluído.

Somado a isso, Taguatinga sempre foi um espaço intensamente utilizado por uma população “pendular” que encontrando um ambiente urbanístico debilitado, agrava a questão social e produz uma centralidade pouca identificada com a cidade e desprovida do espírito de coesão comunitária.

Antigos desafios

Reunindo pessoas com diferentes percepções e propósitos em relação ao uso do espaço urbano, há conflito no uso das calçadas e entre pedestres e veículos, dentro de um clima de desrespeito às normas de segurança, de postura e de trânsito.

 Há também a falta de cuidado sanitário (poluição sonora, visual, do ar e do solo) e cuidado estético, inclusive com a fachada da maioria das lojas, que paradoxalmente dependem da atratividade. Sempre com pouco conforto para os pedestres, o centro sofre com a falta de arborização e de uma iluminação adequada. Tudo isso em se tratando de um ponto de chegada e de conexões cria-se um ambiente pouco acolhedor, agitado e confuso, justificando de certa forma a desorientação dos pedestres.

Centro de uma cidade ou um centro metropolitano?

O boulevard está situado em uma tradicional centralidade de uma macrorregião que abrange mais de 1,5 milhão de habitantes. Além de ser um grande ponto de conexão entre os modais de ônibus e metrô, essa centralidade é muito procurada por ter muitas escolas, faculdades, cursos técnicos, lojas e serviços em geral, inclusive uma policlínica do SUS e uma biblioteca Braille. Além disso, suas calçadas, praças e até estacionamentos são intensamente demandados por vendedores ambulantes e outras atividades, inclusive o tráfico de drogas, assim como por extensões indevidas do próprio comércio formal, das oficinas de veículos às lojas de vestuário e artigos diversos.

O Boulevard como cereja do bolo?

O boulevard se estende ao longo da Avenida Central, mas seu entorno se configura como um grande retângulo invariavelmente com áreas e construções deterioradas. O entorno do boulevard não foi preparado para recebê-lo, ao contrário, os tapumes somados à pandemia piorou muito a situação de lojistas e a deterioração de toda a região.

Ao mesmo tempo, o boulevard foi apresentado como a solução para se ter um centro esteticamente, funcionalmente e humanamente resolvido; mas isso ainda não aconteceu. O espaço designado como “boulevard” de Taguatinga tornou-se mais complexo, árido e reduzido para os pedestres; contrastando com o conceito usual do termo que sugere avenidas largas, arborizadas e dotadas de projetos refinados de paisagismo que torna agradável a presença humana.

Novos desafios

Trouxe mais desconforto, sobretudo para os usuários do transporte público. As paradas de ônibus do BRT situadas em canteiros centrais, sem lugares para as pessoas se acomodarem, circundado por vias, que ainda são rápidas (a despeito das placas de velocidade máxima de 30km). As pessoas enquanto aguardam os ônibus nos pontos de parada do BRT ficam expostas ao calor, à chuva, ao vento, ao frio, e até aos raios, com um sistema de informação em totens, de difícil leitura e entendimento. Nas paradas de ônibus das linhas que não são do BRT sequer há informações. 

Também, no aspecto da segurança, criaram-se 6 vias e mais uma ciclovia no canteiro central, em um espaço já estreito para os pedestres. As faixas de pedestre estão muito mal posicionadas, com pontos cegos, com semáforos múltiplos e dessincronizados, com pouco tempo para a passagem dos pedestres; sobretudo no cruzamento com a Avenida Comercial. A sinalização para pedestres e condutores não comunica o suficiente, ainda mais em um ambiente visualmente poluído e movimentado. Nem todas as faixas são sinalizadas e com semáforos acessíveis para pessoas com deficiência. As ciclovias atraíram mais ciclistas, mas as condições da mobilidade ativa trouxeram mais acidentes, inclusive envolvendo ciclistas.

O centro de Taguatinga possuía poucas árvores e canteiros, porém o verde embora pouco, era mais proeminente que agora. Como um boulevard pode ser agradável sem o cuidado com o verde, sem árvores, sem áreas sombreadas ou amenidades para os usuários, por ex.: sem assentos ou meros apoios? Uma estrutura esteticamente interessante, instagramável, é o monumento ao Rei Pelé com as placas de homenagem aos trabalhadores, porém está pouco em um espaço que sobra o cinza. O excesso de letreiros e outdoors, de fachadas malcuidadas, de excessivos painéis luminosos ou iluminados, inclusive no viaduto de acesso, contribuem para a confusão e prejudica a sinalização de trânsito, disputando a atenção do condutor e do pedestre; além de não dialogar com a proposta de harmonia do espaço.

Qual a perspectiva nova?

Embora lidando com antigos e novos desafios, não é possível fechar uma conclusão sobre o que pode vir a ser esse espaço. Entende-se que  houve uma ansiedade em se correr para atender a demanda do comércio que perdeu significativamente seu vigor, e abriram-se apressadamente vagas de carros, a despeito da prioridade à segurança e ao conforto do pedestre. Essa atitude compromete o propósito original de favorecer a segurança e a mobilidade e enfraquece o processo de pertencimento e de participação social.

A própria visita abriu a perspectiva de ampliar os canais de diálogo. É necessário promover uma análise mais aprofundada e abrangente da situação. Nesse sentido, é essencial readequar o projeto, criando um ambiente permeado pelo diálogo corresponsável com todos os segmentos envolvidos, inclusive com aqueles que tradicionalmente não têm sua voz devidamente representada.

Queremos um boulevard, um lugar aprazível para todos

Neste sentido, gostaríamos de expor algumas ideias iniciais que exigirão estudos, projetos, reuniões intersetoriais no próprio GDF, talvez mais investimentos e maior envolvimento da população, moradores, estudantes, trabalhadores, comerciantes e usuários em geral.

1.         Projeto de reabilitação sistêmico da região central da cidade, com foco na acessibilidade e na mobilidade ativa, inclusive requalificando todas as calçadas da região central, arborização onde for possível, conexões entre ciclovias etc.

2.         Instalação real da Zona 30km, com áreas de trânsito compartilhado e conscientização de condutores e pedestres

3.         Diminuição da poluição visual, revisão da sinalização e melhora da comunicação, sobretudo para os usuários do transporte público

4.         Diminuição da poluição sonora e do ar, com redução da velocidade e fiscalização rigorosa de ônibus e veículos em geral

5.         Redução do fluxo de caminhões e ônibus que não pertencem ao transporte público urbano (sugestão, rever as normas de trânsito no túnel)

6.         Revisão e melhor utilização das vagas de estacionamento, preservar áreas de pedestres

7.         Criar estruturas arquitetônicas dentro de um projeto de reabilitação da região central que além do conforto e segurança aos pedestres, estabeleça um marco estético para a região, além de integrar de forma segura e funcional os vários modais de transporte público (metrô, BRT e ônibus).

3 comentários sobre “Na pauta, o Boulevard de Taguatinga

  1. Ótima análise, muito importante do ponto de vista do cidadão que se desloca a pé e de ônibus, sentindo as intempéries diariamente e enfrentando as dificuldades inerentes de um projeto que prioriza o automóvel. Espero que o diálogo aberto pela vistoria prospere e frutifique positivamente. Parabéns pela iniciativa!

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  2. … na cidade planejada originalmente para automóveis…
    Isso não é verdade.
    Não “originalmente”.
    As intervenções feitas no urbanismo do DF dos anos 70 em diante é que tornaram o DF um lugar onde se privilegia o transporte individualista motorizado

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