Crise de Imobilidade: cadê o racionamento?

Texto e fotos: Uirá Lourenço

Em setembro se celebrou o Dia Mundial sem Carro (22/9) e é oportuna a reflexão sobre a imobilidade no Distrito Federal. As cidades modernas expandem metrô, criam linhas de VLT e investem em sistema integrado com ciclovias conectadas e caminhos acessíveis. Para complementar, restringem o espaço dos carros e cobram caro pelo uso do automóvel: pedágio urbano, restrições na área central e estacionamento rotativo pago existem há décadas. A tendência atual é humanizar as cidades, que inclui reduzir os limites de velocidade e converter estacionamentos e viadutos em praças, parques e ciclovias.

Por outro lado, a “moderna” Brasília resiste às mudanças e insiste na lógica centrada no automóvel. Na busca incessante por fluidez motorizada, constroem-se ainda mais pistas, túneis e viadutos. Canteiros, calçadas, ciclovias e rampas são invadidos diariamente para acomodar a frota automotiva que já passa de 1,7 milhão. Estaciona-se livremente e sem ônus: até hoje a capital federal não tem zona azul, que existe em São Paulo desde 1974.

Ponto de ônibus lotado (W3 Norte)

Calçada invadida por carros (Anexo da Esplanada dos Ministérios)

Quanto ao transporte coletivo, uma das marcas registradas de Brasília é a precariedade do sistema, sem informações e, muitas vezes, sem abrigo. À noite e nos finais de semana, os ônibus somem das ruas. Em muitas vias, como o Eixo Monumental, o usuário de ônibus é penalizado e fica preso no congestionamento por falta de espaço exclusivo. Apesar das promessas de expansão, o metrô empacou nos 42 km de extensão e as linhas de VLT não se concretizaram como legado da Copa do Mundo. De positivo, deve-se destacar o Bilhete Único, originalmente prometido para 2015 e lançado no dia 22 de setembro deste ano. Resta saber se outras ações serão tomadas para promover a necessária migração do automóvel para o transporte coletivo.

A Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, e as várias leis distritais – tais como a Lei n° 3.885/2006 (Política de Mobilidade Urbana Cicloviária) e a Lei n° 4.566/2011 (Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade/PDTU) – foram incapazes de mudar o contexto urbano voltado ao automóvel. As mudanças de denominação dos programas e das obras governamentais ao longo do tempo – Brasília Integrada, Pedala DF, Linha Verde e Circula Brasília – também se mostram inócuas.

Nomes e logomarcas de programas governamentais (clique para ver outros exemplos)

Na condição de capital federal, Brasília deveria ser exemplo em mobilidade urbana. A Esplanada dos Ministérios, que abriga a cúpula administrativa dos três Poderes da República, deveria ser a vitrine da mobilidade moderna e humanizada estabelecida na Política Nacional de Mobilidade Urbana. No entanto, não se consegue sequer caminhar da rodoviária do Plano Piloto até a Catedral, numa distância inferior a 1 km. As calçadas deterioradas, a ausência de rampas e as ciclovias descontínuas dificultam a mobilidade ativa.

A crise de imobilidade é evidente. Os congestionamentos, as calçadas e os canteiros transformados em estacionamento são sinais de que não há espaço para tantos carros. Segundo estudo que embasou o PDTU, o colapso das vias ocorrerá em 2020. Ao constatar o caos diário, a impressão é que o dia D da imobilidade ocorrerá antes da data prevista. Em junho de 2008, o GDF promoveu o seminário “Brasília 1.000.000 de Veículos – desafios e soluções para ultrapassar este problema”. É possível que em junho de 2018 se realize novo seminário para debater os desafios ao alcançar a marca de 2 milhões de veículos motorizados. Os diversos eventos e debates sobre mobilidade urbana, realizados ao longo dos diferentes governos, não resultaram em avanços significativos.

Eventos sobre mobilidade urbana em Brasília (clique para ver registros de mais eventos)

Em resposta à crise hídrica, foram adotadas medidas drásticas, como o racionamento, com o objetivo de reduzir o consumo de água. No entanto, em reposta à grave crise de imobilidade que se prolonga há décadas, não se adotam medidas efetivas. Em vez de se promover o racionamento no uso do espaço urbano, de se restringir a circulação de carros na área central, criam-se mais facilidades aos motoristas. O conjunto de pistas, túneis e viadutos em construção no norte do DF, com o objetivo de beneficiar mais de 100 mil motoristas, revela a miopia governamental. No artigo com balanço dos mil dias de governo, publicado no Correio Braziliense (28/9/2017), o governador exalta as obras voltadas ao rei automóvel: “Nenhum outro governo fez tantas pontes e viadutos”.

É preciso repensar o modelo de cidade que queremos: se desejamos uma Cidade Parque ou uma Cidade Parking. Uma cidade em que as pessoas possam caminhar, contemplar a natureza e usar o transporte coletivo de forma cômoda e ágil, ou uma cidade em que se tenha que necessariamente usar carro para sair de casa, dominada por pistas e estacionamentos e sem espaços de lazer e convívio.

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Artigo atualizado e adaptado da versão publicada no jornal Correio Braziliense em 16/10/2017.

 

SAIBA MAIS (clique para conferir):

Agentes-mirins de trânsito aplicam multas cidadãs em carros estacionados na calçada:

Calçadas, ciclovias e canteiros invadidos na área central de Brasília (dia de protesto contra a corrupção na Esplanada):

Vídeo sobre a política rodoviarista no norte do DF (TTN – “Terrível Trevo Norte”):

 

 

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