Junio Silva e Letícia Amaral
Assim como já cantavam os Titãs na música “Comida”, os estudantes do Distrito Federal também querem, além de comida, diversão, arte e saída para qualquer parte. O Passe Livre Estudantil, responsável pela passagem para quem vai às aulas e ao estágio, não garante o acesso ao lazer e outras atividades culturais dentro de Brasília e nas cidades satélites.
Nos fins de semana é quando acontecem grande parte dessas atividades, e é justamente aí que os usuários do cartão estudantil se deparam com um problema: o passe livre não funciona aos domingos. O mesmo vale para feriados e as férias de julho e dezembro.

Fila de espera do Passe Estudantil. Foto: Uirá Lourenço.
Estudantes que querem continuar se locomovendo pelo Distrito Federal nas férias para curtir as diversas atrações devem planejar as economias bem antes.
Nyna Cardoso Torres é estudante de Artes Cênicas na Universidade de Brasília e, como exigência do curso, utiliza o cartão também para ir a atrações de teatro e outras atividades culturais. “Durante as férias fico sem o cartão, aí tenho que arrumar dinheiro ou ficar em casa durante todo o período”, lamenta a estudante moradora de Planaltina (DF).
A coordenadora do Observatório de Direitos Humanos do Centro Universitário Iesb, Francisca Gallardo, vê uma relação entre a segregação de uma parcela da sociedade no lazer e o desenvolvimento de um pensamento crítico do estudante. Foto: Junio Silva.
O mesmo acontece com Keisy Stella, moradora do Jardim Céu Azul (GO). Para a estudante, o uso do cartão fora dos períodos de aulas permitira mais acesso a espaços como os dos shows e dos museus em Brasília. “Nos fins de semana e feriados eu deixo de sair ou guardo parte do salário pra ir mesmo”, declara lamentando a falta de atividades no próprio bairro. “Além de pagar a passagem pro Plano Piloto, que não está barata, ainda tenho que pagar alimentação, etc”, diz.
O secretário de Transporte e Mobilidade, Valter Casimiro, é enfático sobre a utilização do benefício para atividades fora do período de aulas. “Temos que entender o seguinte, quando o legislador criou o benefício, ele criou para o estudante ir da escola para casa”, lembra. “É necessário saber de onde vai sair o custo para essa despesa, se você utiliza o cartão para ir ao cinema, para ir ter lazer, isso sai da conta da população que paga uma conta que hoje está em torno de R$ 300 milhões”, aponta.
De acordo com a Secretaria de Transporte e Mobilidade, os gastos anuais com Passe Livre Estudantil no ano de 2018 corresponderam a R$ 300 milhões. Atualmente, são 244 mil cartões ativos, em 2015 eram 174 mil.
A coordenadora do Observatório de Direitos Humanos do Centro Universitário Iesb, Francisca Gallardo, vê essa limitação do benefício como uma barreira econômica que visa deixar a população periférica longe de atividades diversificadas. “O estado age como segregador e, junto como o mercado, desenvolve alguns dispositivos pelos quais vão provocar exclusão para aqueles que não são consumidores potenciais e que inclusive dependem do estado”, explica. “A pessoa que utiliza o passe escolar geralmente não tem o recurso econômico para alimentar a sociedade de consumo”, afirma.
Francisca Gallardo vê uma relação entre a segregação de uma parcela da sociedade no lazer e o desenvolvimento de um pensamento crítico do estudante. “O lazer é um direito humano, inclusive há também o direito de ter um ambiente natural equilibrado”, declara, lembrando que, por razões como a falta de segurança pública em cidades periféricas, são poucas as alternativas de lazer e cultura fora do Plano Piloto. “O estudante fica em casa e, muitas vezes, está somente na internet, o que impede que se desenvolva atividades de competências sociais”, aponta.
O professor de Urbanismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília Benny Schvasberg afirma que as limitações do Passe Livre Estudantil impactam diretamente no direito à cidade exercido pelos usuários do benefício. “É uma questão de entender, compreender e reconhecer que os estudantes têm o direito à locomoção, mas quando ele, por exemplo, é limitado no final de semana ou no período de recesso escolar, o que está se limitando não é o direito do estudante ir à escola, está se limitando o direito à cidade”, explica. “Direito à cidade significa não só o direito a morar num lugar bom, uma casa boa, com serviços, estrutura, acesso. Direito à cidade significa o direito a usufruir da riqueza da cidade. A riqueza da cidade é aquilo que é produto coletivo, produto da sociedade, aonde estão as infraestruturas, os equipamentos, as vias, os edifícios, as praças, os parques, os sistemas de educação, saúde, segurança, o transporte”, aponta. “Mas o direito à cidade também é o direito à festa, ou seja, o direito a usufruir do convívio, participar da festa é o entendimento de que a cidade é um convívio, lugares de celebração, cultura, lazer, diversão”, explica.
Benny Schvasberg acredita que a descentralização de oportunidades e qualidade urbana no Distrito Federal pode ser a saída para uma cidade mais acessível. “A qualidade urbana, ambiental, paisagística e de serviço cai drasticamente, por exemplo, entre Brasília, Plano Piloto e Arapoanga. Entre Brasília e a Estrutural, entre Brasília e o Itapuã, baixa drasticamente. É um padrão de desigualdade social que é maior que a média da maioria das cidades brasileiras”, declara.
Confira na íntegra a entrevista do professor Benny Schvasberg sobre o direito à cidade em Brasília (clique para acessar).
