A novela TTN continua

Texto e fotos: Uirá Lourenço

No final da Asa Norte, a grande obra do Trevo de Triagem Norte (também conhecido como Terrível Trevo Norte) foi concluída. Na última etapa, o Governo do Distrito Federal (GDF) sinalizou e entregou as ciclovias. Há alguns bons caminhos para os ciclistas, mas velhos problemas persistem, como descontinuidade das ciclovias, travessias perigosas para pedestres e ciclistas, alto limite de velocidade, falta de iluminação e o descaso com quem usa o transporte coletivo.

No dia 21 de novembro (sábado) fizemos vistoria no local, pela Rede Urbanidade. Percorremos de bicicleta boa parte da região em volta da ponte do Bragueto. É importante relembrar que, junto com a ligação Torto-Colorado, o projeto TTN compõe o conjunto de obras viárias (novas pistas, túneis e viadutos) da Saída Norte, com custo inicial de R$ 207 milhões e o objetivo de aumentar a fluidez motorizada (o blog tem seção específica com detalhes da proposta).  

Membros da Rede Urbanidade participaram da vistoria no dia 21/11.

O piso em boas condições, a sinalização (com pintura em muitos cruzamentos) e a bela paisagem são pontos positivos no percurso. Abaixo destaco os pontos críticos que comprometem a segurança e o conforto dos que se deslocam sem carro no final da Asa Norte.

– Fragmentos de Ciclovia

A exemplo do que ocorre em outras regiões do Distrito Federal, existem trechos de ciclovia que não se conectam. Os ciclistas são obrigados a compartilhar espaço com os motoristas em alta velocidade.

a) Ausência de ciclovia no sentido Asa Norte

Para quem pedala sentido Sobradinho – Asa Norte não existe opção segura de caminho. E não é por falta de espaço que falta ciclovia, afinal existem cinco pistas para o fluxo motorizado na chegada à ponte do Bragueto.

Ciclistas saem da ciclovia para seguir sentido Asa Norte.

Grupo de ciclistas disputa espaço com os motoristas.

b) Falta de ligação no Eixinho

As ciclovias nas proximidades da ponte do Bragueto terminam subitamente no final do Eixinho. Ou seja, falta caminho seguro até a área central de Brasília. Pode-se garantir a continuidade por meio de ciclovia na parte central do Eixinho, já utilizada por pedestres e ciclistas.

Término repentino da ciclovia na quadra 116 Norte (Eixinho W).

c) Falta de ligação entre a W3 Norte e outras vias da região

Não há caminhos seguros entre o final da W3 Norte e as proximidades da ponte do Bragueto. Apesar de a região possuir locais com grande atração de pessoas – supermercados, centros comerciais, clínicas e hospitais – pedestres e ciclistas têm grandes obstáculos para acessar tais locais.

No final da W3 Norte, próximo ao setor hospitalar, falta caminho para pedestres e ciclistas.

Via entre a W3 e a L4 Norte sem espaço para ciclistas.

d) Descontinuidade no acesso ao Lago Norte

Na ciclovia que margeia o lago Paranoá falta conexão segura até o Lago Norte. Os ciclistas precisam seguir caminho pela terra ou dividir espaço com o fluxo veloz de carros.

Ausência de ciclovia no acesso ao Lago Norte.

Alto risco para ciclistas no acesso ao Lago Norte.

e) Descontinuidade no início do Lago Norte

Na via principal do Lago Norte a situação é bem complicada para quem passa de bicicleta. A ciclovia construída e pintada recentemente termina de repente e os ciclistas não têm opção segura de caminho.

Término da ciclovia no início do Lago Norte.

Ciclistas se arriscam entre os carros em alta velocidade no Lago Norte.

– Travessias arriscadas

Existem vários pontos de alto risco na travessia, para pedestres e ciclistas, situação agravada pelo excesso de velocidade e fluxo intenso de automóveis.

Na altura da ponte do Bragueto e nas proximidades da ponte faltam pontos de travessia. No Eixão, altura da 116 e 216 Norte, há fluxo significativo de pedestres que fazem a travessia e precisam correr entre os carros em alta velocidade. Os caminhos feitos pelos pedestres estão demarcados no canteiro.

Pedestres se arriscam na travessia da 116/216 Norte.

Outro ponto de grande risco é a travessia no início do Lago Norte. A ciclovia termina e não há qualquer sinalização (horizontal e vertical) na travessia. O fluxo intenso de carros na região obriga os ciclistas a esperarem por muito tempo e a se arriscarem.

Travessia de alto risco no início do Lago Norte.

– Sufoco para pegar ônibus

Apesar da obra grandiosa e cara, não se nota qualquer melhoria aos sofridos usuários do transporte coletivo. Os pontos de embarque e desembarque continuam precários, sem informações sobre linhas e horários de ônibus.

Pontos de ônibus na região do TTN.

Não se nota prioridade aos ônibus na via, e o projeto BRT Norte ficou apenas na promessa. O Terminal Multimodal da Asa Norte (TAN), que faria a integração entre ônibus e VLT, é outra promessa distante. A proposta de rede integrada de ônibus, VLT e metrô costuma ser reiterada a cada novo governo. No Setor Terminal Norte se observa apenas um grande estacionamento de ônibus, bem diferente do que seria um terminal moderno.

Promessa de rede integrada – VLT, BRT e metrô. Secretaria de Mobilidade, 2016.

– Cidade humanizada, com sistema integrado

A tendência atual nas cidades modernas é priorizar os modos ativos e coletivos de transporte, e desestimular o uso do automóvel. Com menos carros em circulação, evitam-se poluição, congestionamentos e estacionamentos abarrotados. Prioriza-se a segurança no trânsito em vez da fluidez motorizada.  

Mas a lógica do TTN é oposta e contribui para aumentar o caos urbano. Desde a concepção até a efetiva conclusão, o projeto passou por quatro governos. A infinidade de pistas na região da ponte do Bragueto resultou em grande devastação e impermeabilização às margens do lago Paranoá.

A comparação das imagens aéreas não deixa dúvidas: apesar das boas leis da mobilidade (federais e distritais), aqui os gestores públicos ainda acreditam que a modernidade se resume a construir pistas, túneis e viadutos. Como disse o então governador Rollemberg em 2017, ao retomar as obras do TTN: “Nenhum outro governo fez tantas pontes e viadutos”.

Imagens do final do Eixão Norte – 2010 (acima) e 2020 (abaixo).

Fico imaginando a revolução na mobilidade que daria para fazer com os mais de R$ 200 milhões da Saída Norte. Certamente daria para construir e reformar muitas calçadas e ciclovias, instalar pontos de embarque confortáveis – com informações sobre as linhas de ônibus em tempo real – e criar faixas exclusivas para o transporte coletivo.

VÍDEOS

Ao longo dos anos, gravei vídeos no final do Eixão Norte. Abaixo, os vídeos mais recentes, gravados na vistoria (21/11) e alguns anteriores que mostram as condições para quem se desloca sem carro.  



Brasília para Pessoas:

2 comentários sobre “A novela TTN continua

  1. É impressionante o descaso, a falta de prioridade e de atenção com os pedestres, ciclistas e usuários de transporte publico! Nossa cidade continua na contramão das melhores práticas e tendências adotadas pelas cidades que priorizam o ser humano…sua segurança e bem estar!

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    • É muito descaso, Maria Lúcia. A tendência moderna é incentivar os modos coletivos e ativos de transporte, e desestimular o transporte individual motorizado. Os ganhos são inúmeros ao priorizar o transporte coletivo e incentivar a mobilidade ativa, como mostram as cidades europeias com alta qualidade de vida. É uma pena que na capital ‘moderna’ ainda se insista no modelo rodoviarista – caro e atrasado – voltado ao carro.

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