Eixão: sonho ou pesadelo?

Texto e fotos: Uirá Lourenço

Costumo caminhar e correr pelo Eixinho e Eixão, na Asa Norte. Aproveito para observar e refletir sobre a (i)mobilidade. Não consigo entender como ainda temos uma via expressa cortando a cidade de norte a sul.

Fico apreensivo a cada pessoa que vejo correndo entre os carros, tentando chegar viva ao outro lado do Eixão. Muitos motoristas sequer reduzem a velocidade ao avistar um pedestre. Será que eles têm noção de como é o submundo das passagens subterrâneas?

Passagem subterrânea esburacada, suja e sem iluminação.

A falta de calçadas contínuas no Eixinho também incomoda. Um morador é incapaz de andar com segurança até a quadra vizinha. O jeito é dividir a pista com os carros. Além da travessia do Eixão por cima, outra forma de driblar a escuridão e insegurança das passagens subterrâneas consiste em passar pelas tesourinhas. É comum ver pedestres e ciclistas por ali. Uma pena que as obras de recuperação das tesourinhas nas Asas Norte e Sul não tenham considerado os seres caminhantes e pedalantes.

No Eixinho, pedestres andam na pista entre as quadras residenciais.

Tesourinha: caminho alternativo às passagens subterrâneas abandonadas.

Para quem depende do transporte coletivo a situação também não é fácil. Os pontos de ônibus no Eixinho ficam lotados no final do dia. Existem filas distintas: a fila do transporte oficial e a fila dos que esperam os ‘piratas’ (transporte feito em carros particulares).

Ponto de ônibus lotado no Eixinho.

Percebo um fluxo considerável de ciclistas entregadores pelo Eixão e pelos Eixinhos. Um serviço importante que leva comida para muitos lares. Mas o trajeto é cheio de riscos. Será que as autoridades não se dão conta? Existe algum projeto com o objetivo de criar rotas seguras, sinalizadas, para os ciclistas? Com o fluxo grande de pessoas aos domingos e feriados, no Eixão do Lazer, pessoas de todas as idades esperam por muito tempo e se arriscam na travessia do Eixinho.

Ciclistas entregadores passam pelo Eixão e pelos Eixinhos com frequência.

Frequentadores do Eixão do Lazer: alto risco na travessia.

Com seus 14 km de extensão, 80 km/h de limite (longe dos radares, claramente a velocidade passa dos 100 km/h) e nenhum semáforo, o Eixão pode ser o sonho de quem dirige e quer rapidez. Mas, ao mesmo tempo, é um pesadelo para quem não dirige e usa ônibus diariamente. Um muro quase intransponível para pedestres e ciclistas.1

Será que precisa ser assim? Salvo engano, o limite de 80 km/h não é um atributo tombado de Brasília e a velocidade poderia ser reduzida. Por que não limite de 60 km/h no Eixão? Com três faixas em cada sentido, uma não poderia ser exclusiva para linhas expressas de ônibus (de preferência, elétricos)? Nos locais com maior movimento de pedestres2, os órgãos de trânsito poderiam testar travessia com faixa e semáforo. E por que não criar uma ciclovia ao longo de todo o Eixão e, assim, incentivar a mobilidade ativa? O espaço é generoso e nos Eixinhos o caminho dos pedestres e ciclistas fica bem demarcado no canteiro.

Pedestres e ciclistas usam o canteiro do Eixinho diariamente.

Essas sugestões podem parecer utópicas numa cidade tão dependente do automóvel, mas seriam um grande passo, com ganhos em mobilidade, segurança no trânsito e qualidade de vida. No passado certamente houve resistência contra a proposta de proibir a circulação de carros e abrir o Eixão para as pessoas aos domingos e feriados. No entanto, hoje o Eixão do Lazer atrai uma multidão e se tornou patrimônio de Brasília.3

Quem sabe um dia teremos um Eixão humanizado, seguro e atrativo para todos, motoristas, pedestres, ciclistas e usuários do transporte coletivo.

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1 Ocorrem atropelamentos e colisões de veículos com certa frequência ao longo do Eixão Norte e Sul, que muitas vezes resultam em ferimentos graves e mortes, como revelam as notícias (clique para conferir). Os dados são preocupantes: em 2019 e 2020 (até 11/12/2020) houve 43 atropelamentos de pedestres e ciclistas no Eixão e nos Eixinhos, segundo a Polícia Civil do Distrito Federal (informações solicitadas pelo Ministério Público – MPDFT, contidas no ofício 67/2020-PCDF).

2 Segundo o Estudo de Segurança de Pedestres no Eixo Rodoviário (DER/DF e Altran, 2007), ocorrem mais de 80 mil travessias de pedestres no Eixão diariamente, por baixo e por cima. Ou seja, um número bem expressivo.  

3 O Eixão do Lazer começou a funcionar em 1991 e atualmente é garantido pela Lei Distrital n° 4.757/2012, que estabelece o horário de funcionamento das 6h às 18h, aos domingos e feriados. O Decreto Distrital n° 40.887/2020 regulamenta o fechamento do Eixão para os veículos motorizados.

 

ÁLBUM – 100 fotos do Eixão e do Eixinho

https://flic.kr/s/aHBqjzGVYJ

VÍDEOS

8 comentários sobre “Eixão: sonho ou pesadelo?

    • Talvez pudesse ser ainda menor o limite. Para uma via de 80 km/h a redução para 60 km/h já faria grande diferença. A travessia por cima seria menos arriscada, com tempo de reação maior para os motoristas.

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  1. Quando cheguei em BSB, há mais de dez anos, achava o máximo o eixão como via expressa. Pensava que era um privilégio dispor de rodovia tão comprida sem interrupções e veloz. Muito tempo depois, percebi que na realidade isso é um tremendo atraso civilizacional e nós, brasilienses e residentes, é que nos acostumamos a esses padrões sem questioná-los. Deveríamos era mirar as cidades europeias que cada vez mais substituem o carro por meios não motorizados ou elétricos e coletivos. Hoje sou ardoroso defensor de transformar o eixão numa avenida, pura e simples, com semáforos no lugar dos túneis peatonais. Que chegar rápido, vai de metrô ou ônibus. Aí nos cabe também pressionar o GDF para ampliar o metrô e os ônibus. Já há projetos para humanizar o Eixão, a exemplo daquele defendido pelo prof Frederico Holanda da FAU/UNB, para instalar semáforos ali. Enquanto não o fizermos, continuaremos com essa muralha invisível e horrorosa a dividir a cidade em pares e ímpares.

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    • Penso que o caminho é por aí, Allan. Transformar a via expressa numa avenida, com semáforos e limite de velocidade compatível com a vida. Precisamos acabar com a imagem de Eixão da Morte. Temos o bom exemplo de cidades europeias para inspirar.
      Com um sistema moderno e integrado de transporte, e menos carros nas ruas, daria até para pensar num Eixão exclusivo para pedestres, ciclistas e usuários do transporte coletivo. Imagino um bonde elétrico passando pelo Eixão, na parte central, e as outras faixas reservadas para pedestres e ciclistas, em dia de semana. A circulação de carros se daria apenas nos Eixinhos. Como você bem disse, se a pessoa quiser chegar rápido, teria que optar pelo ônibus e metrô (ou bonde elétrico).

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  2. Apesar do eixão ser o caminho do meio, na realidade é o caminho veloz e feroz dos motoristas de veículo automotores e não tem nada de “caminho do meio” na visão holística e existencialista que visa o “equilíbrio”… sem um eixão para todos estaremos sempre no caminho da carrocracia e muito longe da desejada Paz no Trânsito. O eixão é um divisor hostil da cidade para quem se desloca de forma ativa e usuários de transportes públicos, quer por opção ou necessidade, exceto nos domingos e feriados onde a violência do trânsito migra para os eixinhos, sendo arriscado chegar no paraíso que se transforma o eixão. Excelente registros de Uirá que denuncia o grande atraso da mobilidade que privilegia “os carros velozes” e também nos mostra soluções para uma mobilidade mais humanizada e assim de fato chegaremos ao “caminho do meio”, do equilíbrio e da harmonia entre todos os modais. MUDA BRASÍLIA!!! AVANÇA PELA DIMINUIÇÃO DE VELOCIDADES!

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    • Renata, precisamos do equilíbrio, de um trânsito humanizado. Não é à toa que é conhecido como Eixão da Morte.
      Há muitos bons exemplos de cidades que reduziram o limite de velocidade e que incentivam a troca do carro pelo ônibus, metrô e modos ativos (saudáveis).
      A velocidade reduzida vai resultar em menor risco para todos, pedestres, ciclistas e motoristas. Os atropelamentos e as colisões, que ocorrem com certa frequência, costumam resultar em ferimentos sérios e mortes.
      Espero que as autoridades, um dia, se deem conta, da insanidade que é manter uma via expressa que corta (dilacera) a cidade ao meio.

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  3. Parabéns pelo registro Uirá! É fundamental diminuir a velocidade dos automóveis na cidade. A vida pede passagem. Sou favorável a baixar a velocidade máxima do eixão para 60km/h – só vejo vantagens! Sou favorável também por faixas expressas para linhas de ônibus e porque não termos semáforos, se baixarmos a velocidade, isso é totalmente possível. E sim ciclovias ali e em toda a W3 são extremamente necessárias. Parabéns por apresentar o problema e sucitar o debate meu amigo.

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  4. Valeu, Graco. Precisamos pensar em soluções e humanizar a cidade. Não faz sentido ter uma via expressa (muro) cortando a cidade de ponta a ponta.
    Redução da velocidade, semáforos, travessia em nível, ciclovia, calçadas acessíveis e contínuas, faixa exclusiva para ônibus, VLT, ônibus elétricos,… São muitas opções para modernizar e humanizar a cidade ; )
    Mas, infelizmente, falta vontade política.

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