Adeus, Cidade Parque

Texto e fotos: Uirá Lourenço

Outro dia passava pelo Setor Policial e novamente vi aquela cena. Que triste lembrança! Dezenas, centenas de árvores marcadas e com os dias contados. As áreas verdes, os canteiros arborizados são um diferencial de Brasília, verdadeiro patrimônio.

Desde que me mudei para a cidade (lá se vão quase 20 anos) sempre me encantou o tom verdejante, além do horizonte livre. Da cinza e verticalizada São Paulo para a verde e bucólica capital federal. Mas a cada ano, a cada novo governo, o verde cede lugar ao asfalto. Acompanhei várias ampliações de via: EPTG (Estrada Parque Taguatinga), EPAR (Estrada Parque Aeroporto) e o famigerado TTN – oficialmente, Trevo de Triagem Norte, que prefiro chamar de Terrível Trevo Norte.

As Estradas Parque vão se tornando meras estradas, sem os corredores de árvores frondosas para embelezar e dar sombra. O apetite voraz do automóvel por espaços devora áreas verdes. No Setor Policial as paineiras, também chamadas de barrigudas, com sua floração rosa vistosa são as principais vítimas.

A alguns quilômetros dali, mais perto do centro de Brasília, os tratores avançam em ritmo veloz. Os motoristas têm pressa, as autoridades têm pressa de entregar o viaduto do Sudoeste. A entrada do bairro – antes embelezada por ipês, jacarandás e outras árvores – ficou estéril. Do outro lado do futuro viaduto, mangueiras, palmeiras e pinheiros foram abaixo. Junto com as árvores se foram também as corujas, os quero-queros e pica-paus.

O totem eletrônico na entrada do Sudoeste marca 40 graus! O calor não dá trégua e a copa das árvores não existe mais. Pedestres e ciclistas passam em meio ao barro, suando. Alguns seres caminhantes recorrem ao guarda-chuva para se protegerem do sol inclemente.

Outra cena chama atenção: a correria em meio aos carros velozes. Os trabalhadores que chegam de ônibus aguardam, atentos, a brecha entre os carros. Não há semáforos (nunca teve) e o jeito é correr. Correr pra não morrer é o lema. O reconhecimento como Patrimônio Mundial da Humanidade veio pelos monumentos, pela arquitetura ímpar, e pelo conjunto da obra, que inclui a escala bucólica e as áreas verdes. Mas o verde se esvai diante da pressão do automóvel. A frota motorizada cresce e beira os 2 milhões. Onde acomodar tantos carros?

Nos anos 1960 a grande ativista Jane Jacobs já alertava para a ‘erosão das cidades pelos automóveis’ como garfadas. Inicialmente em pequenos nacos e depois em grandes porções. Diversas cidades pelo mundo vêm se abrindo para as pessoas, com mais praças, parques, calçadas e ciclovias. Menos pistas e estacionamentos, menor velocidade e áreas em que o carro é proibido. Amsterdã, Barcelona, Copenhague e Nova York, entre outras cidades, vêm se transformando. Será que um dia Brasília adere a essa onda Cidades para Pessoas?

A Cidade Parque é também a Cidade do Automóvel. Que atributo vamos valorizar? Por enquanto o placar está bem favorável ao automóvel e a Cidade Parque se esvai a cada novo viaduto.

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Inscrevi essa crônica no concurso promovido pela Academia Internacional de Cultura (AIC). Para minha felicidade, a crônica ficou entre as 10 finalistas do concurso e participei de solenidade no dia 1/9/2023. As crônicas foram reunidas e publicadas na revista eletrônica da Academia (https://www.aicinternacional.com.br/), edição de agosto.

4 comentários sobre “Adeus, Cidade Parque

    • Bom saber de mais um exemplo positivo na mobilidade! Já li a respeito sobre Vancouver, mas não me recordo de ter visto sobre Montreal.
      Não faltam cidades para inspirar melhorias em Brasília.

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