Texto e fotos: Uirá Lourenço
Atropelamento fatal no Eixão Norte.
O ano começa bem sangrento no Distrito Federal. Uma triste sequência de atropelamentos e mortes de pedestres e ciclistas. Só nos primeiros seis dias do ano ocorreram nove atropelamentos, três pessoas foram mortas (um ciclista e dois pedestres). Os dados do ano passado revelam o perigo nas pistas: houve 4.112 atropelamentos, média de 11 pessoas atropeladas por dia (divulgados pelo Correio Braziliense).
Correr para não morrer é o lema em muitos pontos do Distrito Federal, como no final da Asa Norte (na altura do Setor Hospitalar) e ao longo da via de acesso à ponte JK, onde não há qualquer local seguro de travessia (faixa de pedestre, passarela ou semáforo).
O Governo do Distrito Federal (GDF) pode e deve atuar para evitar tragédias no trânsito e humanizar a cidade.
Detalhes das tragédias
Algumas das notícias sobre atropelamentos e mortes no início de 2025. Fonte: G1/DF e Metrópoles.
Eis algumas informações sobre os atropelamentos recentes, com base nas notícias veiculadas:
– 1/1/2025: Tiago Gonçalves de Oliveira, 38 anos, foi atropelado enquanto pedalava no acostamento da BR-070, em Taguatinga. O ciclista foi levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos. O motorista foi preso alguns dias depois.
– 3/1/2025: Uma mulher de 50 anos foi atropelada no Guará, próximo à estação de metrô. Ela foi levada com ferimentos ao Hospital de Base.
– 3/1/2025: Uma mulher de 43 anos foi atropelada por motorista alcoolizado na Cidade Estrutural. Ela teve ferimento na cabeça e foi levada ao hospital.
– 4/1/2025: Um adolescente de 15 anos foi atropelado por motorista quando pedalava no Paranoá. Ele foi levado em estado grave para o Hospital Regional do Paranoá.
– 6/1/2025: Edilton Nunes de Oliveira, de 63 anos, foi atropelado e morto por motorista ao atravessar a EPIA. Ele trabalhava no serviço de roçagem e não resistiu ao atropelamento.
– 6/1/2025: Uma mulher de 38 anos foi atropelada e morta por ônibus ao atravessar via que passa pela região central de Taguatinga.
– 6/1/2025: Uma mulher e duas crianças (filhas) foram atropeladas por motorista em Ceilândia, altura da QNP 11, ao atravessarem na faixa. Uma das crianças foi levada ao Hospital Regional de Ceilândia. A faixa de pedestres onde ocorreu o atropelamento está com pintura apagada.
Breve análise
A maioria das vítimas fica anônima, tornam-se números nas frias e mórbidas estatísticas publicadas anualmente pelo Departamento de Trânsito. Vale lembrar que muitas pessoas ficam com sequelas permanentes, muitas famílias têm que lidar com o trauma da perda ou com os cuidados dos feridos.
Falta investigar melhor as causas dos ‘acidentes’ (sinistros de trânsito)1, promover melhorias nas vias, educar e fiscalizar mais; aos repórteres, cabe melhor apuração sobre os detalhes em cada local da tragédia: a velocidade dos motoristas, a sinalização, as condições de iluminação, o nome da vítima, os riscos de quem passa a pé e de bicicleta diariamente.
Quais eram as condições de travessia onde o Sr. Edilton morreu atropelado enquanto trabalhava na roçagem na EPIA Norte no dia 6/1? A motorista que fez uma manobra brusca (o vídeo mostra que ela saiu da terceira faixa da esquerda e acelerou para conseguir acessar o desvio à direita) sofrerá algum tipo de sanção, perderá pontos na habilitação e vai ressarcir a família da vítima pelo dano irreparável?
Quem são as vítimas atropeladas por ônibus, recentemente, no centro de Taguatinga? Um ciclista atropelado em 24 de dezembro, que ficou em estado grave, e a mulher atropelada e morta no dia 6 de janeiro. A que velocidade estavam os motoristas no local com limite de 30 km/h? Medidas de engenharia de trânsito e fiscalização não poderiam ser adotadas para evitar essas e outras futuras tragédias?
No local em que a mulher e as duas filhas foram atropeladas em Ceilândia, no dia 6/1, a faixa de travessia estava apagada. O perfil ceilandiamuitatreta no instagram esteve no local no dia seguinte ao atropelamento e gravou vídeo que mostra a falta de pintura, situação que perdura alguns meses (pelo menos desde final de agosto/2024). Segundo a Administração de Ceilândia, o Departamento de Trânsito aguarda a próxima estiagem para refazer a pintura da faixa. Será que vão aguardar até maio de 2025?!
Muitas perguntas podem ser feitas, em vez de simplesmente culpar os mais vulneráveis (pedestres e ciclistas), como se vê em comentários de notícias sobre as tragédias. E muitas respostas/providências podem ser dadas pelos órgãos de trânsito.
O que fazer?
Zona 30 (com velocidade reduzida) na Universidade de Brasília.
Dá para fazer muito. As autoridades de trânsito precisam agir, não dá para tratar cada atropelamento como mera fatalidade.
Ficam algumas sugestões levando em conta o que se vê de positivo em segurança no trânsito e em humanização das vias. Há bons livros e manuais de referência (guia de Desenho de Ruas, de Moderação do Tráfego, de Gestão da Velocidade e o livro Cidades para Pessoas)2, e muitas cidades que nos inspiram: as cidades europeias estão na vanguarda, tais como Amsterdã, Berlim, Copenhague e Paris.
- Redução/readequação dos limites de velocidade nas vias do DF com o objetivo de aumentar a segurança para todos: pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas;3
- Levantamento dos pontos críticos de travessia e implantação de melhorias;
- Implantação de zonas 30 efetivas (de baixa velocidade, com fiscalização);
- Implantação de medidas de moderação de tráfego, tais como faixas elevadas de travessia, estreitamento de via e extensão de meio-fio;
- Levantamento e monitoramento dos sinistros de trânsito no DF, com georreferenciamento e investigação das causas;
- Campanhas permanentes de educação e fiscalização para coibir imprudência e excesso de velocidade;
- Criação/reativação de conselhos participativos sobre segurança no trânsito e mobilidade urbana.
Placa no Eixo Monumental que destaca o perigo da alta velocidade.
Existem leis e programas governamentais de sobra para embasar ações em favor da vida e da segurança no trânsito. A Lei Federal 13.614/2018 criou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), o Código de Trânsito (1997) estabelece a prioridade do pedestre, que ‘os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores’, o motorizado protege o não motorizado. O Plano de Mobilidade Ativa do Distrito Federal (2020) tem entre os objetivos ‘Melhorar as infraestruturas de mobilidade para a população que se desloca a pé ou por bicicleta’.
Também não faltam recursos financeiros para um programa sério de segurança no trânsito, haja vista as grandes obras concluídas e em andamento (túneis e viadutos) em todo o DF. Para mencionar algumas das obras entregues pelo atual governo, o Túnel de Taguatinga teve custo de R$ 275 milhões, a Saída Norte (rebatizada de Complexo Viário Governador Joaquim Roriz) custou R$ 220 milhões, sem contar gastos posteriores com manutenção.
Brasília já teve o bom exemplo de respeito à faixa de pedestre, com a campanha Paz no Trânsito, que pode servir de inspiração. E aí, GDF, vamos pôr em prática ações efetivas para salvar vidas e ter vias seguras?!
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1 O termo acidente deixou de ser utilizado, foi substituído por sinistro de trânsito (inclusive com alteração no Código de Trânsito). ‘Acidente’ é um termo que traz a noção de que as ocorrências são inevitáveis, ocorrem ao acaso. A atualização no termo reforça que atropelamentos e mortes nas pistas são, muitas vezes, evitáveis.
2 Essas são algumas referências com o objetivo de humanizar e tornar mais seguras as vias, as cidades de forma geral:
Guia Global de Desenho de Ruas (NACTO, 2018)
Gestão da Velocidade – um Manual de Segurança Viária para Gestores e Profissionais da Área (OPAS, 2012)
Guia de Medidas de Moderação de Tráfego (SENATRAN, 2024)
Cidades para Pessoas (Jan Gehl, 2015)
3 Sabe-se que a velocidade é um dos fatores principais de risco no trânsito. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o limite máximo de 50 km/h nas vias urbanas.
O Projeto de Lei 2789/2023, que tramita na Câmara dos Deputados, propõe alteração do art. 61 do Código de Trânsito para reduzir e adequar os limites de velocidade.
Algumas notícias sobre as tragédias nas vias do DF:
No ano passado, 4.112 pessoas foram atropeladas nas vias do DF
08/01/2025
DF contabiliza 11 atropelamentos em 14 dias; cinco pessoas morreram
07/01/2025
Em menos de 15 dias, cinco pessoas morreram atropeladas no DF
07/01/2025
Mulher morre após ser atropelada por ônibus no centro de Taguatinga, no DF
VÍDEOS
Alguns locais altamente perigosos para pedestres e ciclistas, sem travessia segura.




Lamentavel a baixa qualidade técnica, o descasi, a falta de preparo, a falta de cultura dos responsáveis pela administração em geral. Desanimador
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Katori, é preciso que as autoridades assumam a responsabilidade, parem de tratar como ‘acidentes’. São ocorrências evitáveis. Vidas podem ser salvas com engenharia de trânsito, com educação e fiscalização.
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O artigo é extremamente relevante ao trazer à tona um problema tão grave e urgente como os atropelamentos de pedestres e ciclistas no DF. A introdução, baseada em dados impactantes, contextualiza bem a gravidade da situação e sensibiliza o leitor. As soluções propostas são claras e assertivas, abordando desde a readequação dos limites de velocidade até a implantação de zonas 30 e melhorias em pontos críticos de travessia.
A inclusão de medidas como o georreferenciamento dos sinistros e campanhas de educação e fiscalização mostra um compromisso sólido com a segurança viária. Além disso, a proposta de conselhos participativos reforça a importância de uma abordagem colaborativa. Parabéns pela objetividade e pelo esforço em apresentar alternativas práticas para enfrentar essa questão crucial. O artigo é uma contribuição valiosa para o debate sobre mobilidade urbana segura.
Niro – Ciclista seriamente atropelado por um motorista imprudente em 2002, felizmente recuperado após 8 meses de tratamentos médicos e fisioterapia intensiva.
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As someone visiting from California, where bike lanes and protected infrastructure are everywhere, my experience in Brasília has been a stark contrast. Back home, cycling is an activity I associate with freedom, safety, and enjoyment. Here, it feels more like a gamble with my life.
Driving around Brasília has opened my eyes to one harsh reality: bicyclists are an afterthought. I’ve seen road cyclists clinging to the edge of 80 km/h lanes, with cars, trucks, and buses rushing by at terrifying speeds, mere inches away. The complete lack of safety measures for these vulnerable road users is deeply concerning.
When I tried biking here, instead of enjoying the beauty of Brasília, I found myself on high alert, treating every intersection, turn, and vehicle as a potential threat. It wasn’t a relaxing ride—it was a nerve-wracking game of “Will I even make it through the day?”
This city desperately needs to move beyond its car-centric roots. In California, bike infrastructure like protected lanes, crosswalks, and traffic-calming measures are designed to ensure safety and encourage micro-mobility. Brasília must prioritize similar measures, even if it means removing car lanes. People deserve the option to move safely and sustainably, whether by bike or other forms of electric micro-mobility.
It’s 2025, and cities around the world are embracing the future of transportation. Brasília risks falling further behind unless it starts building infrastructure that values human lives over vehicle speed. Let’s empower people, protect cyclists, and create a city that works for everyone—not just cars.
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Thanks for your comment, Michael. Here in Brasília high speed is a huge problem for pedestrians and cyclists. We have too much to learn. Yes, we need traffic-calming. We must resize/reduce streets and remove car lanes. Many measures are possible but authorities are still car-centric. Local government spends much money on projects to promote even more the use of car (‘rodoviarismo’). I’m sorry you didn’t have a good experience. I hope in the future we can improve the conditions to go on foot and by bike.
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Triste notícia, e imaginar que quase fiz parte desta estatística, estava pedalando no acostamento(ciclofaixa) e um veículo vindo na direção oposta, fez o retorno e entrou direto no acostamento, ao invés de retornar na pista de rodagem. Era uma mulher que fez a curva com o celular na mão, quando percebi que ela não estava me vendo, tive que me jogar com a bicicleta no mato para evitar o atropelamento… lamentável a falta de responsabilidade e consciência de muitos motoristas…
Com frequência vejo pessoas dirigindo com o celular nas mãos… talvez você que está lendo seja uma destas pessoas… vale a pena/pressa?
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Alexandre, bom que você está bem e escreveu o comentário. Não fez parte da estatística sangrenta de trânsito. Precisamos de mais empatia por parte dos motoristas. Uma simples distração como atender uma chamada ou teclar no celular resulta em grande risco para quem caminha e pedala. Presencio todo dia, ao andar ou pedalar, motoristas que bloqueiam a ciclovia ou a faixa de pedestre enquanto olham tranquilamente para a tela do celular. Ações permanentes de educação e fiscalização de trânsito seriam bem-vindas!
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Infelizmente mais uma morte decorrente da sequência de atropelamentos no início do ano. O adolescente de 15 anos atropelado no dia 4 de janeiro faleceu no hospital.
https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2025/01/11/morre-adolescente-atropelado-por-caminhonete-enquanto-andava-de-bicicleta-no-paranoa-no-df.ghtml
Morre adolescente atropelado por caminhonete enquanto andava de bicicleta no Paranoá, no DF
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