Balanço da (I)mobilidade no DF
Uirá Lourenço
(Artigo publicado no Correio Braziliense – 26/12/2019)
A mobilidade urbana é um dos temas urgentes no Distrito Federal. Basta percorrer as principais vias num fim de tarde para constatar: mesmo expressas e largas, como o Eixão e o Eixo Monumental, ficam abarrotadas de carros a velocidade média inferior a 20km/h. Os ônibus superlotados também se sujeitam à lentidão. Afinal, não há nenhuma prioridade (corredor de ônibus) nos dois eixos viários que cruzam a capital federal.
Em 2008, a frota motorizada registrada no DF alcançava 1 milhão. Lembro bem do seminário promovido pelo Departamento de Trânsito (Detran/DF) naquele ano para debater problemas e soluções para a grande quantidade de carros. Uma década depois, a frota se aproxima de 2 milhões. O órgão de trânsito realizará outro seminário? Os velhos problemas serão debatidos e novas promessas serão anunciadas?
A solução para o caos automotivo é bem conhecida e foi adotada em cidades modernas há décadas: investimento no transporte coletivo integrado à mobilidade ativa e desestímulo ao uso do carro, especialmente na área central. As leis refletem a mobilidade moderna e estabelecem a prioridade dos modos ativos e coletivos de transporte, a exemplo da Política Nacional de Mobilidade Urbana e do Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU/DF). Mas a realidade das ruas é oposta à legislação.
Os seguidos governos insistem na velha lógica rodoviarista de ampliar vias e construir túneis e viadutos. Além do alto custo de construção e manutenção (este nem sempre é incluído na fatura), as novas pistas incentivam mais pessoas a usarem o carro no dia a dia. A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio (2018) revelou que 47% dos deslocamentos são feitos por transporte individual motorizado, índice altíssimo em relação a outras capitais do país. Construir mais pistas para solucionar os congestionamentos é como afrouxar o cinto para resolver a obesidade.
Ao fazer um balanço do primeiro ano do governo Ibaneis, destacam-se os velhos e caros projetos rodoviaristas. A Saída Norte, com inúmeras pistas e viadutos, está quase concluída a custo superior a R$ 200 milhões. E nem sinal de ônibus modernos ou trilhos (BRT ou VLT). Pedestres e ciclistas continuam em alto risco na região, apesar das obras de “mobilidade”. A reforma das tesourinhas no Eixão, iniciada recentemente, não prevê melhoria nas passagens subterrâneas destruídas e inseguras. Da mesma forma, o recapeamento das pistas — anunciado ao custo de R$ 400 milhões — mantém a tradição dos governos anteriores: renova o espaço dos carros, mas se “esquece” das calçadas. Com as chuvas, as crateras enlameadas tornam o caminho ainda mais desafiador aos pedestres.
A Rodoviária do Plano Piloto, por onde circulam cerca de 700 mil pessoas por dia, simboliza o descaso com a acessibilidade e a mobilidade. Passar entre as plataformas do principal terminal de transporte requer vigor físico; afinal, as escadas rolantes e os elevadores desativados são velhos conhecidos. As calçadas destruídas e a falta de rampas de acesso em volta do terminal obrigam cadeirantes a disputarem espaço na pista, entre carros e ônibus. Para os ciclistas, o desafio também é grande: o bicicletário foi desativado e as ciclofaixas estão apagadas e ocupadas por táxis e ônibus.
Para completar o cenário, foram anunciados mais 10 viadutos espalhados por todo o DF, incluído o da Estrada Parque Indústrias Gráficas (Epig) com o objetivo de escoar a megafrota automotiva do bairro Sudoeste por dentro do Parque da Cidade. Basta ver a área central com pistas, estacionamentos, canteiros e calçadas repletos de carros para constatar que o modelo está equivocado. Não cabem tantos carros.
Por que não investir em linhas de VLT, corredores de ônibus, calçadas e ciclovias conectadas? Em vez de gastar recursos em projetos antiquados de viadutos, bons projetos de mobilidade deveriam ser priorizados. Haveria muitos benefícios na mobilidade, saúde, economia, turismo e vitalidade urbana. Uma Esplanada dos Ministérios com calçadas acessíveis, conectada por ônibus elétricos e com menos carros seria um bom começo.
Brasília poderia e deveria ser exemplo para as outras cidades, uma vitrine do transporte acessível e sustentável. Mas as mudanças dependem de vontade política para modernizar e inovar. O atual governo tem mais três anos e precisa decidir: insistir no velho modelo e contribuir com o colapso das vias, ou investir em mobilidade e qualidade de vida.
O texto está disponível no portal do Correio Braziliense: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2019/12/26/internas_opiniao,816646/artigo-balanco-da-i-mobilidade-no-df.shtml
Transporte no DF: barbárie diária
Uirá Lourenço
(Artigo publicado no Correio Braziliense – 4/9/2019)
O assassinato de duas mulheres — Letícia e Genir — chama a atenção pela brutalidade e covardia. Elas foram vítimas de um criminoso, mas também do transporte precário e humilhante. Ambas entraram no carro do assassino por acharem que se tratava de lotação. O chamado transporte pirata é uma realidade e supre a necessidade de muitos trabalhadores que vêm de todo o DF e Entorno para a área central de Brasília. O sistema oficial de transporte, composto basicamente por linhas de ônibus (sem o prometido VLT e com apenas 42 km de metrô), caracteriza-se pela superlotação, desconforto e ausência de informação sobre linhas e horários. Surge, então, o sistema complementar e não oficial, com carros e vans que percorrem vias movimentadas como W3, L2, Eixo Monumental e Eixinhos. Na rodoviária do Plano Piloto também se ouvem os agentes desse sistema complementar anunciarem os diversos destinos.
É interessante notar o contraste entre o transporte público precário e a legislação. A Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, estabelece a prioridade ao transporte coletivo e garante aos usuários informações sobre itinerários e horários. A Lei Distrital n° 4.011, de 2007, afirma a prioridade ao transporte coletivo e os requisitos de qualidade no serviço prestado: “regularidade, segurança, continuidade, modicidade tarifária, eficiência, conforto, rapidez, atualidade tecnológica e acessibilidade”.
O Plano Diretor de Transporte (PDTU/DF), de 2011, tem entre as diretrizes a “implantação do sistema integrado de transporte público de passageiros do Distrito Federal e Entorno”. Em suma, temos leis de primeiro mundo, mas realidade de país pobre. A capital federal sintetiza os problemas e o descaso com a mobilidade nas grandes cidades do país. Muitas vezes, os recursos públicos são torrados em obras milionárias de túneis e viadutos que priorizam o transporte individual motorizado, em detrimento do transporte coletivo.
Uma multidão percorre um caminho tortuoso para acessar o transporte: vias sem calçadas ou rampas, sem pontos seguros de travessia e com abrigos precários para a longa espera. No caso das mulheres, aos riscos de atropelamento e assalto somam-se os riscos de violência sexual. A longa distância entre os locais de moradia e trabalho e a precariedade do sistema de transporte obriga usuários a madrugar na busca por uma vaga espremida no ônibus ou lotação. Para os moradores do Entorno, o ônus é ainda maior, com tarifa elevada e sem integração com o sistema do DF.
Genir, Letícia e outras mulheres foram vítimas da brutalidade de Marinésio, que se passava por motorista de lotação, mas também foram vítimas da omissão governamental no setor de transporte. Muitas outras mulheres de Arapoanga, Sol Nascente, Luziânia, Pedregal e outras regiões são brutalmente violentadas diariamente: para elas, o direito ao transporte seguro e confortável — estabelecido nas leis — é realidade distante.
Cabe às autoridades assumirem sua parcela de culpa nas tragédias e investir de forma séria em mobilidade, com prioridade absoluta ao transporte coletivo. Não basta apenas ação repressiva contra as lotações. As melhorias devem contemplar ampla integração tarifária (DF e Entorno), pontualidade e confiabilidade, ampliação do metrô e das faixas exclusivas e corredores de ônibus. Deve-se inverter a lógica atual perversa de que o transporte público deve servir apenas à parcela da população que ainda não teve condições de adquirir um carro ou moto. O sistema deveria ser usado por todos, inclusive pelo alto escalão do governo. Se as autoridades usassem ônibus todo dia, certamente teriam maior sensibilidade e se esforçariam em promover melhorias.
Mobilidade no DF: desafios e soluções
Uirá Lourenço
(Artigo publicado no Correio Braziliense – 30/11/2018)
Quanto tempo você leva para chegar ao trabalho? Qual é a diferença de tempo entre quem se desloca de carro e de ônibus ou metrô? Quais as condições para caminhar na área central e para ir de bicicleta ao comércio ou para levar os filhos até a escola? As perguntas servem de reflexão sobre o estado de imobilidade no Distrito Federal.
Longos congestionamentos se formam diariamente mesmo no Eixo Monumental (seis pistas em cada sentido) e na EPTG (cinco pistas em cada sentido). Chama a atenção não só o excesso de carros (muitos ocupados apenas com o próprio motorista), mas também a falta de prioridade aos usuários de ônibus. No final da Asa Norte, a grande obra do Trevo de Triagem Norte (TTN) também não prioriza o transporte coletivo e põe pedestres e ciclistas em alto risco, sem pontos de travessia, nem calçadas ou ciclovias.
A situação é crítica e parece claro que a cidade não comporta mais tantos carros (a frota motorizada cresce gradativamente e se aproxima de 2 milhões). Ao longo da Esplanada dos Ministérios e em toda a área central, é impossível caminhar: as ruas, as calçadas e os canteiros se transformaram em estacionamento. Em vez de praças e espaços de convivência, grandes áreas tomadas por carros. Outra pergunta deve ser feita: o brasiliense deseja morar na Cidade-Parque ou na Cidade-Parking?
Ao longo dos anos, em diferentes governos, prevaleceu a lógica rodoviarista de incentivo ao automóvel, que se traduz em obras caras para ampliar vias e construir túneis e viadutos. Entre os exemplos estão a ampliação da EPTG, EPIA e EPAR, e o complexo de túneis e viadutos na Saída Norte (a vegetação e o nobre espaço urbano se convertem em mais pistas). Para completar, mantém-se alto limite de velocidade em nome da sonhada fluidez motorizada e em detrimento da segurança no trânsito. E outros projetos equivocados entram na fila, como o viaduto na EPIG e as novas vias de acesso em Águas Claras.
Será que estamos em busca de soluções ou estamos apenas adiando o dia D em que os motoristas ficarão imóveis nas vias (estudo prevê o colapso viário no DF em 2020)? Os bons exemplos em mobilidade reforçam a impressão de que nosso rumo está equivocado. Em cidades no mundo todo, o transporte coletivo e a mobilidade ativa — a pé, por bicicleta e outros meios não poluentes — ganham espaço. E cada vez mais se fecha o cerco aos carros, especialmente na área central. Para exemplificar, Seul tem 10 linhas de metrô, com 265 estações e 287 km de extensão; Paris tem rede totalmente integrada e extensa de ônibus, bicicletas públicas e metrô; Amsterdã ostenta 40% dos deslocamentos feitos de bicicleta; Nova York criou, em 10 anos, 70 praças exclusivas para pedestres em locais ocupados por ruas.
No DF, a situação é oposta: o metrô possui apenas 42km de extensão e não atende a região norte. Nossas faixas exclusivas de ônibus não chegam a 60km (Fortaleza instalou, em seis anos, 100km de faixas exclusivas). Para piorar, em maio deste ano, cerca de 4km de faixas exclusivas foram suprimidas na EPNB em nome da fluidez automotiva. Além disso, não existe estacionamento rotativo pago (em São Paulo, a zona azul foi criada em 1974) e a farra do estacionamento irregular impede a passagem de pedestres e ciclistas. Vale lembrar que a cobrança nas vagas públicas é importante não só para disciplinar o uso do espaço urbano, como também para gerar recursos para bons projetos de mobilidade.
No período eleitoral, com muitas propostas e promessas feitas pelos candidatos, fica a dúvida: nos próximos quatro anos, continuaremos estacionados na lógica rodoviarista e atrasada de incentivo ao carro, ou seguiremos o exemplo das cidades modernas e passaremos a priorizar o transporte coletivo e a mobilidade ativa e saudável? Queremos uma cidade reconhecida pelo fato de ser habitada por cidadãos com cabeça, tronco e quatro rodas, ou queremos reconhecimento como cidade inovadora e moderna, com transporte coletivo rápido e atrativo e facilidades a quem caminha e pedala?
Se a resposta for a segunda opção, teremos que reverter o modelo de transporte voltado ao automóvel, assim como fizeram Amsterdã, Barcelona, Nova York e Seul. Os inúmeros projetos de túneis e viadutos terão que ir para a gaveta e passam a ter prioridade as propostas de faixas exclusivas de ônibus, expansão do metrô, VLT, reforma de calçadas, redução do limite de velocidade e ciclovias conectadas.
Texto digitalizado – original publicado no jornal:
Imobilidade no DF: novo governo com velhas ideias
Uirá Lourenço
(Artigo publicado no Correio Braziliense – 15/8/2015)
A manchete de capa da edição do Correio Braziliense (de 28/7) foi certeira: os novos projetos do governo estimulam ainda mais o transporte individual motorizado. O anúncio de mais um viaduto — que ligará o bairro Sudoeste ao Parque da Cidade — representa a continuidade de modelo ultrapassado há muitas décadas, que privilegia o automóvel em detrimento do transporte coletivo, a pé e por bicicleta.
De um lado, inaugura-se terminal de ônibus e se anunciam novas estações de metrô. De outro, obras caras e de concepção atrasada são anunciadas: construção de nova via (Transbrasília) ao custo de R$ 1,4 bilhão; viadutos em Águas Claras (R$ 12 milhões); túnel em Taguatinga (R$ 273 milhões) e complexo de pistas e viadutos na região da Ponte do Bragueto (R$ 86 milhões). Além do custo financeiro, há que destacar os impactos negativos das obras com foco no automóvel, tais como: aumento da poluição, rápida saturação decorrente da atração de mais carros para as vias, aumento da dificuldade na circulação de pedestres e ciclistas.
Ao demonstrar simpatia por viadutos e túneis, o governo segue na contramão da tendência mundial de restringir a circulação de carros e aumentar os espaços para pedestres e ciclistas. As cidades modernas vêm demolindo viadutos e barreiras que dificultam a passagem das pessoas. Ações práticas revertem o modelo automotivo: regiões com baixo limite de velocidade, praças e bibliotecas vêm tomando o espaço de vias e estacionamentos. Em Brasília, ocorre o movimento inverso: aumento dos estacionamentos para carros (formais e informais), construção e ampliação de vias, conversão de acostamento em pista adicional para carros e construção de mais viadutos e túneis para atender à frota automotiva crescente.
É emblemático que o mais recente viaduto anunciado seja na Estrada Parque Indústrias Gráficas (Epig), via hostil a usuários de ônibus, pedestres e ciclistas. Pontos de ônibus superlotados, escuros e sem informações sobre linhas e horários (muitos dos pontos nem sequer possuem abrigo); calçadas destruídas, que obrigam pedestres a andarem na pista; ciclovia com término abrupto, sem ligação com outras vias e que servem apenas para lazer. A hostilidade aos que circulam sem carro pela Epig perdura por muitos anos e prejudica milhares de trabalhadores do Distrito Federal e de cidades do Entorno que vêm todo dia ao Plano Piloto.
Um projeto moderno resolveria as graves deficiências no transporte coletivo e consertaria as calçadas e ciclovias, num sistema integrado com bilhete único e bicicletários, de forma a estimular a migração do automóvel para os modos coletivos e saudáveis de transporte. Mas o viaduto anunciado agravará a imobilidade, ao desconsiderar os inúmeros usuários de ônibus que passam pelo eixo formado pela EPTG e Epig e ao incentivar que mais pessoas circulem de carro. Outro aspecto negativo da proposta é o fato de levar mais carros para o Parque da Cidade. O viaduto reforçará a vocação do parque como atalho dos motoristas, e resultará em mais barulho, congestionamentos e riscos de acidentes de trânsito.
Ao insistir na política rodoviária de incentivo ao transporte individual motorizado, o governo ignora a política nacional de mobilidade urbana e a legislação distrital, que expressam a priorização dos modos coletivos e saudáveis (não motorizados) de transporte. As propostas de viadutos contrariam o próprio plano do atual governador, que deixa claro o objetivo na área de mobilidade: “Priorizar o transporte não motorizado em relação ao motorizado, e o motorizado coletivo em relação ao individual”.
Com a escassez de recursos do GDF, causam mais perplexidade os projetos rodoviaristas resgatados de governos anteriores. Os escassos recursos deveriam ser investidos em projetos modernos de incentivo a formas alternativas ao automóvel. Os amplos espaços da capital federal deveriam ser pensados para as pessoas, e não ser preenchidos com viadutos e mais vias para carros. Seguir no rumo da mobilidade humana e saudável trará benefícios à qualidade de vida e atrairá turistas sedentos por passear e desfrutar de cidades humanizadas.
Para os que estudam o tema e militam em favor da mobilidade saudável, fica a nítida impressão de que as leis avançaram sem efetiva mudança prática e sem planejamento coerente com os novos tempos. Os seguidos anúncios de viadutos soterram o sonho de deixar uma Brasília mais humana e sustentável aos filhos e netos.
Violência no trânsito e desafios da mobilidade urbana
Uirá Lourenço
(Artigo publicado no Correio Braziliense – 8/4/2015)
Manchetes recentes do exterior: “Paris e Madri restringem carros no centro e investem na bicicleta”; “França dará incentivo financeiro para uso da bicicleta na ida ao trabalho”. Manchetes da última semana, no Distrito Federal: “Ciclista morre após ser atropelado por ônibus próximo ao Sol Nascente”; “Morre o ciclista atropelado por jovem bêbado na L4 Norte”.
A boa fama de Brasília não resiste a um trajeto curto a pé ou de bicicleta. O respeito à faixa de pedestre, cuja campanha completou 18 anos, e as centenas de quilômetros de ciclovias construídas sucumbem diante da hostilidade motorizada e da má-qualidade da estrutura voltada a pedestres e ciclistas.
O estado das calçadas, quando existentes, é lastimável, mesmo na região central. O milionário programa Asfalto Novo do governo passado recapeou incontáveis quilômetros de vias para carros e deixou intactas as crateras nas calçadas. Escassez de pontos de travessia, ausência de rampas e invasão dos espaços públicos por carros estacionados completam o cenário aos pedestres.
Para quem pedala, o ambiente é igualmente hostil. Como demonstrou o Correio Braziliense em reportagem recente, as ciclovias padecem de erros graves: sem continuidade nos percursos, com muitos obstáculos e sem iluminação. Além do desconforto, a mais trágica consequência do descaso cicloviário são os atropelamentos. Em menos de uma semana, dois ciclistas foram mortos.
O novo governo, que se comprometeu com a mobilidade por bicicleta e com a segurança no trânsito, precisa mostrar ações práticas contra a violência. Entre os objetivos para a mobilidade urbana, o plano do atual governo prevê: “Priorizar o transporte não motorizado em relação ao motorizado”, “ampliar o uso de bicicletas para deslocamentos diários casa-trabalho e casa-escola”, “promover acessibilidade para as pessoas com deficiência” e “promover a paz no trânsito como política permanente de educação”.
Apesar do bem-intencionado plano de governo e da farta legislação federal (a exemplo do Código de Trânsito e da Política Nacional de Mobilidade Urbana) e distrital (pelo menos 10 leis distritais versam sobre segurança e comodidade aos ciclistas), a realidade a quem pedala é repleta de obstáculos. Passados mais de três meses do início do atual governo, nenhuma melhoria foi notada. Pelo contrário, a lama e os buracos se acumulam ao longo das ciclovias.
Entre os desafios postos ao governador, está a interligação segura das cidades-satélites ao Plano Piloto. Diariamente, trabalhadores usam bicicleta para ir trabalhar e se arriscam em rodovias com alto limite de velocidade, alto nível de imprudência e sem qualquer infraestrutura própria ao ciclista. A EPTG está incluída no desafio. A via passou por mega-ampliação há alguns anos (num projeto curiosamente chamado de “Linha Verde”), mas até hoje carece de ciclovia e calçada. E tampouco funciona o corredor de ônibus projetado.
Muitas capitais europeias planejam, há décadas, a cidade com foco nas pessoas e não nos motores, com ganhos diretos: mais qualidade de vida, melhor uso do espaço público, menos poluição, menos congestionamentos e menor nível de sedentarismo e de obesidade. Considerando a experiência europeia, várias ações podem ser executadas: redução do limite de velocidade nas vias; conexão das ciclovias existentes; conversão de estacionamentos em espaços voltados ao lazer e à convivência; policiamento e fiscalização de trânsito feitos com bicicleta.
Além da mudança na infraestrutura, precisamos de mudança cultural. Mas, segundo dados publicados no Correio Braziliense, entre 2012 e 2014, o Detran-DF destinou a campanhas educativas apenas 3,5% dos R$ 356,9 milhões arrecadados com multas. Ou seja, investe-se muito pouco num instrumento importantíssimo para promover mudanças culturais. E, considerando os inúmeros carros diariamente estacionados sobre calçadas, ciclovias e canteiros, também se investe pouco em fiscalização.
A mensagem final é simples: precisamos ir além da mera construção de ciclovias. Todos terão benefícios em cidade humanizada. Uma cidade em que se pode deixar os filhos seguirem pedalando ou caminhando até a escola, pois se sabe que os motoristas darão preferência e reduzirão a velocidade. Esses motoristas cidadãos entenderão que aquele jovem ciclista na rua pode perfeitamente ser um parente que precisa ser respeitado, independentemente da presença de agente de trânsito por perto.


