Texto e fotos: Uirá Lourenço
Sonho com o dia em que pedestres e ciclistas serão prioridade. Uma rede de caminhos seguros e arborizados para andar, em vez de túneis e viadutos caríssimos. Com um sistema de transporte integrado, bicicletários e muitas estações de bicicletas compartilhadas por todo o Distrito Federal (não apenas na área central) ficaria ainda melhor.
Passei de bicicleta e fiz alguns registros (fotos e vídeos) na região entre o Sudoeste e o Parque da Cidade, onde o governo inaugurou viaduto (mais um). Na verdade é um trevo rodoviário, com viadutos e muitas pistas e acessos.
O bairro foi literalmente dividido ao meio, inclusive com cerca metálica. No trajeto pela Estrada Parque Indústrias Gráficas (EPIG), o pedestre ou ciclista tem que dar uma grande volta, atravessar pistas de alta velocidade e seguir pela parte central árida (sem qualquer sombra) para alcançar o Parque da Cidade. Tão perto e tão longe.


Viaduto do Sudoeste: muitas pistas, poucas árvores e grade em volta do bairro.
O termômetro marcava 37 °C! Que saudade dos canteiros arborizados – com ipês, paineiras, mangueiras e palmeiras – que aliviavam o calor e embelezavam o caminho. Dava para avistar e apreciar corujas e pica-paus. Agora está tudo cinza e concretado.


Bela entrada do parque (arborizada e com aves) dizimada pelo ‘progresso automotivo’. Fotos de 2021, antes das obras do viaduto.
O governador inaugurou o viaduto com um passeio ciclístico. Quanta ironia na obra grandiosa para uso predominante (quase exclusivo) do automóvel. Parece que virou tradição: a inauguração do túnel de Taguatinga (que prefiro chamar de túnel Rei Automóvel) também teve pedal. Gostaria de ver o governador e as autoridades pedalando no local em dia de semana, no trajeto até o trabalho.
No horário em que fui observar o monstrengo rodoviário só vi outros dois ciclistas na ciclovia encravada na parte central da via expressa entre o bairro Sudoeste e o Parque da Cidade. Nas obras de alargamento das pistas na região da ponte do Bragueto (o temido ‘Terrível Trevo Norte’ – TTN), notei esse mesmo fenômeno: baixíssimo fluxo de ciclistas, apesar da ciclovia. Bem compreensível, afinal o emaranhado de pistas torna mais perigoso e longo o trajeto dos sem-carro.
Ambiente hostil, de alto risco, para os sem-carro no TTN.
Com tantas facilidades para os motoristas, duvido que os moradores do Sudoeste passem a usar bicicleta, patinete ou outros modos de transporte. A cada novo túnel, a cada novo viaduto Brasília enterra as possibilidades de se humanizar e se modernizar. E a frota automotiva segue crescendo no ritmo das grandes obras.
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VÍDEOS
Três vídeos gravados no local, em diferentes períodos: antes das obras, na inauguração e depois do lançamento do trevo rodoviário.




No Terrível Trevo Norte também não há vegetação; não há sombra nas ciclovias e calçadas
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O TTN e a Saída Norte de forma geral expressam bem como as grandes obras rodoviaristas segregam e afugentam as pessoas ainda mais de outras opções de transporte: caminhada, bicicleta, patinete e ônibus. Moradores do final da Asa Norte e do início do Lago Norte têm uma grande barreira a transpor caso utilizem meios que não sejam o carro.
E vale lembrar que o prometido BRT Norte e o Terminal Multimodal da Asa Norte ficaram no papel, apesar do alto custo das obras (mais de R$ 200 milhões).
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Meu caro Uirá, o teu trabalho de registro (fotos, vídeos e textos) da mobilidade urbana no DF é muito precioso e ficará para a história da cidade. Parabéns pelo trabalho incansável na defesa de um território melhor, onde as pessoas sejam prioridade, e não os carros, como tem sido a realidade por aqui. Em relação a essa obra específica na EPIG, a implantação de todo aquele complexo rodoviário foi defendida, pelo GDF, como necessária para a qualificação do Sistema de Transporte Público, mas o espaço dos automóveis é que se manteve privilegiado. Transporte público e os modais ativos pressupõem mobilidade urbana sustentável e, em nenhum lugar do mundo, a defesa desse modelo passa pela derrubada de centenas de árvores, como ocorreu no Parque da Cidade e na região do Sudoeste, inclusive com a eliminação de espécies em áreas onde não aconteceram obras. Lamentável.
Wesley Ferro
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Obrigado pela mensagem, Wesley.
Lembro com saudade das centenas de árvores marcadas para morrer na região. Houve até protesto de moradores que se abraçaram a algumas das árvores na vã tentativa de conter o avanço das motoserras. Esses monstrengos rodoviários são uma brutalidade, tornam mais cinza e insustentável. Não era pra ser Cidade Parque?!
Lembro também de fala do secretário de mobilidade (do anterior, pois já mudou) querendo defender os túneis e viadutos alegando que se trata de infraestrutura para o transporte coletivo. Basta percorrer o TTN, o trevo rodoviário do Sudoeste e o túnel Rei Automóvel para constatar que se trata de mera ampliação do espaço para os carros. Aliás, no túnel a proibição para pedestres, ciclistas e ônibus está estampada em placas e totens eletrônicos.
Precisamos resistir a esse rodoviarismo caro, atrasado e poluente!
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