Paulo Cesar Marques da Silva
As degradantes condições enfrentadas por quem precisa atravessar a pé o popular Eixão são objeto de Ação Civil Pública ajuizada pela Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. A iniciativa da Rede Urbanidade, coordenada pelo promotor Dênio Moura, pede que a Justiça determine ao GDF que em até um ano adote medidas para proporcionar segurança e dignidade a quem usa as passagens subterrâneas e que a velocidade veicular seja reduzida para 60 km/h em até 60 dias.
Numa cidade impregnada do fetiche rodoviarista, não surpreende que, de todas as medidas cobradas pela Rede Urbanidade, apenas a redução da velocidade tenha ganho destaque, não apenas na imprensa, mas também nos gabinetes do Departamento de Estradas de Rodagem, que menos de duas semanas depois do ajuizamento da ação divulgou documento contestando apenas esse ponto. Em sua argumentação, o DER comete erros conceituais grosseiros, mas prefiro me ater aqui à sacralização da velocidade.
Como costumo dizer, a percepção de economia de tempo que as altas velocidades proporcionam em viagens urbanas é absolutamente enganosa. Estamos falando de uma diferença de cerca de 4 minutos se percorremos o Eixão livremente de ponta a ponta a 60 e a 80 km/h. Claro que o ganho de tempo seria bem menor na imensa maioria das viagens, que usam apenas um trecho consideravelmente mais curto da via.
Alto limite de velocidade no Eixão. Foto: Uirá Lourenço.
Mais relevante do que isso, porém, é o que se perde com a velocidade. Porque se o ganho de tempo varia linearmente, a energia envolvida em uma colisão tem uma relação exponencial com ela. Mais precisamente, essa energia é proporcional ao quadrado da velocidade. Se isso ainda não diz muito, talvez a comparação com quedas seja mais familiar, mesmo que o leitor não as tenha experimentado, como eu espero. Mas vamos lá.
Começando com a velocidades que cada vez mais cidades em todo o mundo têm adotado como limite em vias urbanas locais, ser atropelado a 30 km/h equivale a cair do primeiro andar de um prédio. Não deve ser uma sensação nada agradável e poucas pessoas sairiam completamente ilesas desse sinistro. Cair do segundo andar certamente seria bem pior, mas ainda assim não se compara a ser atropelado a 60 km/h, porque isso equivaleria a cair do quinto andar! Aí, convenhamos, são poucas as chances até mesmo de sobreviver…
A esta altura, o leitor pode estar pensando como o DER, que a redução seria inócua porque um atropelamento a 60 km/h também mata. O que o DER esqueceu é que, diferente da força da gravidade, no comando de um veículo há uma pessoa capaz de reagir. Essa pessoa, tomando consciência do risco, pode frear seu carro e pará-lo antes de atingir o pedestre, se estiver a 60 km/h, ou atingi-lo a 40 km/h (queda do segundo andar) se estiver a 80 km/h.
Para terminar, se não conseguimos nos ver na condição de quem, por algum motivo, tenta atravessar o Eixão a pé, lembremo-nos de que as vítimas dos sinistros naquela via não são só os pedestres. São também os ocupantes de veículos que se envolvem em colisões que, assim como os atropelamentos, ou não ocorreriam ou seriam menos graves com um limite de velocidade mais baixo. É a isso que chamamos humanização.
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Paulo Cesar é professor da Universidade de Brasília (UnB), com doutorado na área de transportes. Texto originalmente publicado na revista Plano B: https://issuu.com/revista.planob/docs/planob_14edicao_issus_compressed_1_
