Respeito à Faixa, Respeito à Vida

Uirá Lourenço

Esta semana teve aniversário da campanha de respeito à faixa de pedestre. É importante relembrar e reforçar essa iniciativa que começou em 1/4/1997, afinal até hoje Brasília tem esse diferencial em relação a outras grandes cidades do país: em geral, os motoristas param e aguardam a travessia de pedestres na faixa.

O respeito à faixa teve êxito graças ao empenho do governo, da imprensa e da sociedade. O envolvimento de pessoas como o coronel Azevedo (ao voltar de viagem à Espanha se convenceu de que seria possível fazer valer a lei que garantia a preferência do pedestre), de jornais e emissoras (em particular o Correio Braziliense e a Globo local) e a realização de passeata no Eixão compõem o enredo da campanha Paz no Trânsito. O documentário de Hércules Silva (2008) e a reportagem de Afonso Ventania, publicada recentemente no Jornal de Brasília, trazem detalhes.

Para celebrar o aniversário de 27 anos da campanha, o governo divulgou anúncios em jornais e outdoors. É uma pena que o foco do Departamento de Trânsito (Detran/DF) tenha sido o sinal de vida, o gesto de estender a mão antes da travessia. Parar na faixa e dar preferência a pedestres e ciclistas atravessarem é uma obrigação baseada no Código de Trânsito (artigos 38, parágrafo único, 44 e 70), sem necessidade de acenar e pedir passagem.

Anúncios do GDF. Abril/2024.

Ao andar pela cidade noto que alguns motoristas e motociclistas ignoram a faixa de travessia, muitas vezes por estarem em alta velocidade ou por estarem distraídos ao celular. Até acho razoável acenar para os motoristas. Faço o sinal de vida quando há motoristas distraídos e em locais mal iluminados ou com sinalização ruim. No entanto, penso que o governo deveria focar seus anúncios no (mau) comportamento dos motoristas. Ao destacar o sinal de vida, acaba-se transferindo a responsabilidade pela segurança aos mais vulneráveis, pedestres e ciclistas.

Por que não alertar para o excesso de velocidade e a distração causada pelo uso de celular ao volante? Certamente os atropelamentos de pedestres e ciclistas são causados, em grande parte, por condutas inadequadas do motorista (imprudência e falta de atenção) e não pela falta do sinal de vida.

Aliás, esta semana de aniversário da campanha Paz no Trânsito foi, lamentavelmente, sangrenta nas pistas do Distrito Federal. No dia 4 um senhor de 71 anos foi atropelado por dois carros ao atravessar rua em Vicente Pires. Segundo a notícia, a vítima foi arrastada pelo segundo carro e ficou em estado grave. No dia 5, mais dois atropelamentos. Um ciclista foi atropelado e morto na BR-040 (a notícia não traz nomes nem detalhes do ocorrido), pedestres foram atropelados na via de acesso à ponte JK (também sem detalhes na notícia). Vale lembrar que faltam faixas de travessia e o limite de velocidade é bem elevado (80 km/h) nessa via que leva à ponte. Todo dia se veem pessoas atravessarem entre os carros velozes. E mais um triste caso foi noticiado hoje: cinco ciclistas foram atropelados ontem à noite no SIA (Setor de Indústria e Abastecimento); o motorista estava alcoolizado e em alta velocidade.

Creio estar na hora de irmos além do respeito à faixa. Além de celebrar a conquista, inovar e reforçar a segurança no trânsito para evitar novas tragédias. Nos trajetos diários percebo que, onde não há faixa nem semáforo, pedestres e ciclistas são ignorados sem cerimônia e penam para atravessar. Quem sabe um dia teremos um grande movimento em favor do Respeito na Faixa e fora da Faixa, uma autêntica campanha de Respeito à Vida, em que os motoristas reduzirão a velocidade e darão passagem a pedestres e ciclistas voluntariamente, sem necessidade de faixa pintada ou braço estendido.

Alguns vídeos sobre travessias em Brasília.

6 comentários sobre “Respeito à Faixa, Respeito à Vida

  1. A opção do Detran por essa campanha é lamentável. Transfere a responsabilidade ao pedestre, sem qualquer menção ao que o motorista deve fazer ao se aproximar de uma faixa, que é reduzir e prestar atenção. Um lixo.

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    • Os recentes atropelamentos de pedestres e ciclistas, envolvendo motoristas imprudentes e alcoolizados, reforçam a necessidade de campanhas com foco na boa conduta por parte dos motoristas. O impacto da alta velocidade e da alcoolemia ao volante é muitíssimo maior do que o não acenar antes da travessia (que, aliás, sequer tem previsão na lei).

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  2. O GDF não deveria sequer mencionar a campanha Paz no Trânsito, da qual é adversário por excelência. Também fariam grande homenagem se nem se referissem à Faixa de Pedestres, com estas campanhas que transferem a responsabilidade da travessia ao caminhante 

    Os motoristas perderam por completo o respeito pelas autoridades de trânsito locais. O homem que jogou o carro contra cinco ciclistas dirigiu no DF durante dez anos com a carteira vencida desde 2014.

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    • Que caso horroroso esse atropelamento de cinco ciclistas e um pedestre (ainda teve mais uma pessoa ferida, noticiado posteriormente) por motorista alcoolizado, em alta velocidade, com a habilitação vencida e histórico de outro grave atropelamento (que resultou em morte). Conduta irresponsável e reprovável do motorista + fiscalização falha em permitir que o motorista continuasse dirigindo por tanto tempo. Espero que os ciclistas e o pedestre se recuperem logo.

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  3. O respeito ao pedestre na faixa de travessia significa uma mudança cultural que deve avançar em todos os sentidos para se sustentar. O trânsito em Brasília está cada vez mais agressivo, seja de carro ou moto e infelizmente, seja até de ciclistas. A campanha de paz no trânsito e de respeito pelo outro precisa ser algo articulado, criativo e envolvente. Minha sugestão é criar um canal de parceria com o próprio GDF para uma mudança de disco na educação de trânsito, talvez até um código cidadão de comportamento não-violento. Estamos propondo para colaborar nesse processo em que o amor se faz cuidado consigo e com os outros.

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    • Concordo, precisamos de um trabalho articulado, criativo e envolvente. Todo dia se veem casos de briga e agressão no trânsito, às vezes com arma de fogo e morte. Algo está muito errado e precisa de um programa educativo sério, permanente e inovador.

      Outro aspecto importante é a engenharia de trânsito, a necessidade de mudanças com foco na segurança dos mais vulneráveis, em vez de replicar ad eternum medidas com foco na fluidez motorizada.

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